A televisão estatal iraniana fala em dezenas de mortos nos confrontos entre as forças policiais e manifestantes que protestam contra o regime autocrático dos aiatolas. O que está por detrás dos protestos: “descontentamento interno” ou ingerência externa?

Os iranianos saíram para as ruas com o objectivo de protestar contra o aumento de preços e o baixo nível de vida das populações, mas, como é regra neste tipo de manifestações, as reivindicações vão sendo cada vez maiores e radicais: fim do regime teocrático que dirige o Irão, liberdade de expressão e pensamento e até gritos de apoio a Mohammad Rezā Pahlavi, último xá derrubado pelo regime dos aiatolas em 1979 e que é, para alguns, um símbolo da abertura do Irão ao mundo.

O discurso dos dirigentes iranianos é cada vez mais duro e o emprego da força aumenta, reflectindo-se no crescimento do número de vítimas mortais, e a explicação para a origem dos protestos não é original: “ingerência externa”.

Esta versão é apoiada pelos dirigentes russos, porque se trata de protestos num “país amigo” e “parceiro estratégico” no Médio Oriente. Além disso, o receio de que ondas semelhantes possam ocorrer na Rússia ou em países vizinhos como o Azerbaijão ou nas antigas repúblicas soviéticas da Ásia Central não deixa Vladimir Putin dormir descansado.

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Porém, quando se trata dos separatistas no Leste da Ucrânia, que Moscovo apoia com armas e homens, ou de protestos noutros países que se recusam a seguir a política de Putin, não há ingerência externa e muito menos do Kremlin. Isso não passam de “invenções” dos inimigos.

Posição semelhante tem a extrema-esquerda portuguesa, que continua a destacar o “papel das massas” apenas em situações que são favoráveis à causa apregoada por elas. Tudo o resto são “manobras do imperialismo norte-americano”, da CIA, etc.

Seria infantilismo ou miopia não ver que há países interessados na queda do poder teocrático em Teerão. Os Estados Unidos foram os primeiros a reagir à situação. Donald Trump, recorrendo ao Twitter, acusou o Irão de financiar os terroristas e os seus dirigentes de bloquearem as redes sociais no país, importante instrumento de mobilização da oposição iraniana.

Também não errarei se disser que os dirigentes da Arábia Saudita estão a “esfregar as mãos” de contentamento, pois uma crise grave crise política no Irão iria enfraquecer a política externa dos aiatolahs no Médio Oriente, factor que jogaria a favor dos sauditas.

Por isso, é perfeitamente possível que a “ingerência externa” esteja presente. Porém, ela não deverá servir de argumento para que, neste caso, as autoridades iranianas reprimam os seus adversários políticos sem nó, nem piedade. Deve-se resolver os verdadeiros problemas que estão na origem do conflito.

É preciso salientar que a ingerência externa só pode ser eficaz se encontrar um solo fértil no interior deste ou daquele país e, como é sabido, os problemas internos no Irão são numerosos. Segundo os manifestantes, eles são provocados, pela corrupção e pelo intervencionismo dos aiatolas na vizinha Síria, pela falta de liberdade política. Deve-se ter presente que este constitui o maior levantamento social depois da queda do xá em 1979.

Alguns consideram que as manifestações poderão enfraquecer as posições dos dirigentes reformistas, dirigidos pelo actual Presidente Hassan Rohani, e reforçar o poder dos aiatolas conservadores, mas os que protestam parecem não achar suficientemente rápido o ritmo das reformas políticas, sociais e económicas no país.

Se o Médio Oriente já é um autêntico barril de pólvora há muito em explosão, a desestabilização no Irão poderá mergulhar essa região num caos ainda mais terrível. Não nos podemos esquecer que Teerão tem um programa nuclear. Por isso, é necessário muito cuidado por parte das potências regionais e mundiais face a esta crise.