1. O mosquito foi arrumado num outro qualquer patamar e substituído pelo ex-Presidente que ocupa agora écrans rádios, papel de jornal, ruas, táxis, “lanchonettes”, ônibus, casas, conversas. E as aflições ou indignações – é conforme – de muita gente. Lula divide o Brasil com ferocidade, embora sondagens recentes sublinhem que ele tem hoje consigo muito menos que metade do país.

Custa encontrar palavras para definir as últimos dias vividos aqui no Rio de Janeiro, desde o bater desse momento “M” quando Luís Inácio Lula da Silva, às 6 horas da manhã de uma sexta feira, foi levado para depor numa dependência da polícia federal num aeroporto de S. Paulo. Ninguém no seu perfeito juízo ignorava a corrupção à solta: há incontáveis anos que no Brasil é bem conhecido o nauseabundo trânsito entre a política, as empresas, o dinheiro, a justiça, que com desarmante facilidade desaguaram em favores, tráfico de influências, compra de políticos, juízes, empresários, o que fosse preciso. Sucede que, após o caso “Mensalão”, o envolvimento, de novo ao mais alto nível, e de novo do PT, num outro escândalo de proporções demenciais, o Lava Jato, mergulharam o Brasil num impasse como há muitas décadas não se via.

A gravidade do diagnóstico é pesada – os sintomas são simultaneamente éticos, políticos, judiciais, económicos – tornando por isso quase impossível, à hora a que escrevo, afirmar racionalmente ou sequer apostar num qualquer possível desfecho.

Breve revisão da matéria: a Lava Jato é o nome de uma operação conjunta do Ministério Público e da Policia Federal para averiguar um sistema organizado de desvio de recursos financeiros da Petrobraz (na forma de sobrefaturação em obras, compras, serviços, etc.) visando beneficiar campanhas eleitorais do PT ou conceder (avultadas) benesses de “carácter pessoal” para alguns dos seus mais poderosos líderes, dirigentes, governantes. Esta operação bicéfala entre o Ministério Público e a polícia Federal, desenvolve-se sob a presidência de um juiz de Curitiba, Sérgio Moro, novíssimo e inesperado herói nacional, cuja entrada em cena tem dinamitado algumas das mais viciadas regras do jogo judicial em uso corrente no Brasil. Sabe-se que se inspirou no modelo da investigação italiana “Mãos Limpas”, caso que tinha estudado muito profundamente. Entretanto, o Supremo Tribunal Federal surpreendeu o mundo das leis (e o outro!) ao decretar uma nova norma autorizando a detenção de condenados a partir da sentença de segunda instância. A “novidade” cortou cerce aquilo que era a verdadeira norma: um encadeado de recursos a cargo dos mais poderosos advogados para beneficiar os mais ricos dos políticos que os podiam pagar, protelando indefinidamente acusações de peculato, corrupção activa, uso de falsos documentos, etc.

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Isto por um lado. Por outro, e não é dizer pouco pois aqui reside outra das “diferenças” que têm cortado a respiração ao Brasil e tirado o sono a muitos, é que desta vez os tribunais superiores têm paulatinamente vindo a confirmar a condução de todo o processo por Sérgio Moro. Legitimando com isso o seu critério e ampliando a sua autoridade. Passo a passo, etapa a etapa da Lava Jato (vai na 24ª!), o juiz mostrou-se merecer de respeito e capaz de popularidade em partes iguais, transformando-se no convicto cruzado contra a corrupção. No polo oposto, Lula conseguiu a proeza de ter sido considerado pelos juízes do Supremo Tribunal Federal como o “chefe de organização criminosa”, somando-se (incómodas) provas que abrangem comprovados favorecimentos de toda a ordem, obras caras feitas em duas casas que ele mantém que não lhe pertencem (“são de amigos”), astronómicas cifras obtidas em “palestras e doações”, uso de dinheiros públicos com vantagem pessoal. Por exemplo.

O ex-Presidente nega tudo, não explica nada, ataca a Justiça. Nada é dele, nem casas, nem apartamentos, nem meios, nem dinheiro. Vitimiza-se: é um “perseguido”. Conhece-se o modelo. Voltou agora a usar o emblema do PT, alude a uma possível recandidatura ao Palácio do Planalto, estende a mão à militância pura e dura do PT (ignora-se quanto vale hoje politicamente a outra), enquanto puxa pelos seus galões retóricos, e comicieiros, oferecendo-se (por saber que é o que lhe resta?), para uma “tournée pelo Brasil. E fala muito, ao contrario do juiz Moro que é parco no verbo e na exibição publica de si próprio.

De outra geração, sobretudo de outra escola (viveu fora do Brasil, tem experiência internacional), Sérgio Moro possui boa formação intelectual e cívica, ainda não tem cinquenta anos, rodeia-se de colaboradores parecidos consigo. E não tem medo, apesar de “nem no banheiro ele ir sozinho” como se aqui se diz. Passou a viver “guardadíssimo” tal os, julgo que irreversíveis, “estragos” que vem fazendo naquilo que, digamos, era o habitual uso do poder de parte da classe política brasileira.

Em resumo: o duelo que opõe a operação Lava Jato e a teia lulista que, por todos os métodos e meios, tenta obstruir-lhe a passagem para a luz do dia, está para durar, impiedoso e feroz, de parte a parte. Como acabará esta história? Nas páginas dos principais jornais do país, a lista dos decepcionados ou indignados aumenta da manhã para a tarde: da nata da intelectualidade e do jornalismo brasileiro a conhecidos fundadores do PT, ou seus celebrados militantes de sempre, o Brasil tem escutado renúncias, desabafos tristes, elogios aos tribunais (“última instituição limpa que existe no país”). A memória da governação de Lula é diariamente delapidada na media e na rua, a sua assinatura está desvalorizada, perdeu grande parte do respeito público. Que ficará do seu património governamental e da herança política do homem que se despediu do povo brasileiro com 85% de aprovação popular? Vingara a furiosa indignação actual ou o reconhecimento por alguns feitos governamentais? É cedo para saber. De momento vive-se entre a pressa na expedita condenação e a insistência no aplauso a Lula. Mais audível a primeira.

2. E Dilma, dir-me-ão? Dilma está mal e não se recomenda. Há meia dúzia de dias saíram algarismos aterradores sobre PIB, (caiu 3, 8% em 2015) a divida, a certeza de recessão tão pesada este ano quanto em 2015, desemprego. O “cardápio” quase todo no negativo. A Presidente tem assinado medidas que de tão graduais pouco resolvem e que de tão tímidas quase nada adiantam. Há reformas adiadas há décadas, com a da sacrossanta reforma da previdência social à cabeça, quase no “vermelho”. Os também sacrossantos mercados enervam-se e soltam avisos.

Do outro lado, o PT (partido que com o PMDB de Michel Tenner apoia o governo brasileiro) não dá tréguas a Dilma, condenando publicamente a navegação política da Presidente e intimando-a a acolher a larga (e impraticável) agenda económica que o PT lhe remetia, mas cuja aplicação arruinaria o Brasil em meses. Entre a tenaz impaciente dos mercados e a furiosa desconfiança dos correligionários, surgiu agora a terceira tenaz, mas bem pesada: um ex-governante e influente político petista, actualmente detido, Delcídio Amaral, íntimo de Dilma e Lula, beneficiando da figura da “delação premiada” (colaboração com a polícia a troco de redução de pena ou de mudança para prisão domiciliária), atirou uma bomba atómica para Brasília: Dilma estaria comprometida até ao pescoço com coisas muitas feias – recebimento de dinheiro de empresas públicas nas suas campanhas eleitorais.

A Presidente Roussef negou mas tanto faz, o resultado é que está cada vez mais frágil, mais só, mais impotente. Já houvera, há dias, a troca do ministro da Justiça (José Eduardo Cardozo) por outro (Marcelo Navarro), afirmando quem sabe que os petistas estavam indignados por o hoje ex-titular da pasta não ter sido capaz de travar a Lava Jato… nem corromper a polícia federal. Mas o que há agora são provas contra Dilma, o cerco chegou ao Planalto.

Ninguém acredita que com um governo tão despedaçado e um parlamento tão hostil, se consiga espaço e vontade para aprovar, com carácter de urgência, o que é vital a ser aprovado. O próprio presidente da câmara dos deputados, Eduardo Cunha, deve estar por dias ou mesmo horas: soube-se agora que também é réu deste processo… A história do “impechement”, que estava num limbo, passou para o purgatório, não se sabendo se descerá ao inferno. As oposições, se bem que muito “indignadas”, não parecem nem coesas nem impressionantemente fortes.

No próximo domingo haverá uma manifestação nacional de protesto para onde todos se voltam: com razão? É incerto. Só há duas coisas certíssimas mas são as únicas: vai haver mais lama sobre o PT, (a procissão pode ainda ir no adro) adensando a imprevisibilidade e tornando mais urgente o desfecho: e “isto” não pode continuar “assim”, coisa dita e redita em todos os tons, a cada instante, nos écrans por gente com responsabilidade publica no Brasil e fora do écran, pelo povo, atónito. Quem, quando, como, se decide a solução para o “isto”,acho que ninguém sabe.

3. A cidade maravilhosa está “de posse” dos Jogos Olímpicos. Logo se vera como a conta será paga mas de momento o tempo vive-se em apressada contagem decrescente: dezenas e dezenas de obras, novas infraestruturas, prolongamento do metro, novidades. E criatividade inteligente sob a batuta impressiva e impressionante de um “perfeito” visionário, Eduardo Pais, presidente da autarquia do Rio.

Deve-se-lhe o inacreditável arrojo de ter mandado destruir um imenso viaduto – uma perimetral que ia do aeroporto de Santos Dumont à ponte de Niterói e que, ao ser derrubada, subitamente destapou o espelho aquoso e azul daquele pedaço da baía de Guanabara, aos olhos siderados dos cariocas. O feito ampliou a Praça Mauá (no Centro) transformando-a num vasto, luminoso e deslumbrante recinto, emoldurado pelo oceano. E por dois museus-jóias. O do Mar, que teve obra de prolongamento em magnífica intervenção arquitectónica dos brasileiros Thiago e Jacobsen Arquitectura. E ali mesmo em frente, o Museu do “Amanhã”.

E então paremos, aqui, sufocados de espanto e maravilha, nesse ícone que ficará também, estou certa, como emblema dos Jogos Olímpicos. Parece-se esta “casa” do futuro com um peixe? Ou será antes um pássaro? Uma nave, talvez, pousada na praça, pelo engenho, a perícia e o génio de Santiago Calatrava. Ver, para crer. E depois agradecer a Deus o estar-se vivo face ao branco peixe-pássaro.

4. Para a semana há mais: não já este musical e deslizante rio, mas a cosmopolita S. Paulo, sede da política tucana. E depois Brasília, claro está. Se não tiver fechado, entretanto.