A palavra ‘educação’ aplica-se àquilo que se pretende fazer em escolas. Um bom indicador disso são os nomes das disciplinas (‘Físico-Química’, ‘Educação Física’). Quer isto dizer que em escolas não se aprende física por acaso mas de propósito. Pelo contrário não existem disciplinas como ‘Trocar Cromos’ ou ‘Fumar’; embora se possa aprender a fazer ambas as coisas em escolas, nenhuma escola proporciona de propósito essas actividades.

Esta distinção corresponde à distinção entre o que deve ou pode, e o que não deve ou não pode ser ensinado. Um dos maiores mistérios da educação é o de saber como se faz esta distinção. A resposta é: normalmente não é preciso. Existe um consenso acerca de coisas que devem ou pelo menos podem ser ensinadas em escolas onde se seja obrigado a permanecer (‘Matemática’, ‘Educação Moral e Religiosa Cristã’, ‘Introdução à Economia’). E existe um consenso sobre coisas que, por razões muito diferentes, não devem ou podem ser ensinadas nessas escolas (‘Mergulho’, ‘Física Quântica’, ‘Astrologia’).

Algumas pessoas são todavia adeptos da ideia de que há outras coisas que se devem ensinar naquelas escolas; e tais coisas são para elas vastas e importantes, e não cabem nos limites de uma única disciplina. A expressão usada na literatura portuguesa actual é: “áreas transversais”. A uma dessas áreas chama-se hoje “Educação para a Cidadania”. Em escolas aprendem-se muitas coisas “transversais” (e.g. mentir, ser pontual). Mas ao contrário dessas coisas a educação para a cidadania é ensinada de propósito.

Existe assim um programa de educação para a cidadania. Inclui, entre vários outros assuntos de interesse, “sexualidade” e “empreendedorismo.” “A educação para a cidadania,” declara-se no preâmbulo, “visa contribuir para a formação de pessoas responsáveis, autónomas, solidárias, que conhecem e exercem os seus direitos e deveres em diálogo e no respeito pelos outros, com espírito democrático, pluralista, crítico e criativo.” Tantos adjectivos fazem desconfiar. Eis três perguntas: (i) existirá um consenso sobre esta definição de ‘cidadania’ semelhante aos consensos que parecem existir sobre Português ou Mergulho? (ii) Podem todos os conteúdos da lista ser ensinados? E, finalmente, (iii) deverá educação para a cidadania ser ensinada em escolas?

A resposta à primeira pergunta é: provavelmente. O consenso porém é tão vago que não parece ser capaz de gerar uma lista de conteúdos consensual. Muitos adeptos da educação sexual, por exemplo, não acharão que o empreendedorismo seja uma questão de cidadania (embora alguns adeptos do empreendedorismo achem a sexualidade importante). A resposta à segunda pergunta é: quase nunca. Pode ensinar-se “educação rodoviária”; mas “voluntariado,” “igualdade do género,” “defesa nacional” ou “dimensão europeia da educação” são, como a francesinha e a ética republicana, meras ocasiões de propaganda. As duas primeiras respostas bastam por isso para a nossa terceira pergunta. A educação para a cidadania não deve ser ensinada em escolas.

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