Não nasci em Lisboa, mas sou lisboeta. Cresci, estudei e vivi quase toda a minha vida em Lisboa. Durante o tempo que tenho trabalhado fora de Portugal, mantenho uma casa em Cascais e a minha família mora em Lisboa. Mas, como muitos lisboetas, parte da minha família é do norte de Portugal (da Beira Alta, Castro Daire). Uma daquelas famílias orgulhosa das suas raízes e habituada a contestar o “domínio de Lisboa.” Desde pequeno ouvia dizer frequentemente que “a melhor coisa de Lisboa era a autoestrada para o norte” (na altura uns míseros 30 km). Havia claramente uma profunda irritação com o “centralismo da capital”. Cresci com essa influência. Gosto muito de Lisboa mas também aprecio muito o norte de Portugal e tenho consciência do modo indiferente, e por vezes injusto, como Lisboa (sobretudo as elites alfacinhas) trata o resto do país (com a excepção do Algarve em Agosto).
Além desta consciência nortenha, e certamente relacionada com ela, tornei-me adepto do Futebol Clube do Porto por volta dos 8 anos de idade. A educação contra o “poder de Lisboa” transformou-se numa grande antipatia contra o Benfica e o Sporting e num enorme apego ao F.C. Porto. A filiação clubística deu-me um carinho especial pela cidade do Porto. É a cidade do meu clube. O crescimento do F.C. Porto desde o final da década de 1970 foi fundamental para a afirmação da cidade do Porto. Não há uma única grande cidade europeia que não tenha também um grande clube de futebol. Hoje, o grande clube europeu, F.C. Porto, é de uma grande cidade europeia, o Porto.
O crescimento do clube e da cidade constitui uma das grandes conquistas da democracia portuguesa. Não é necessário ser um sociólogo para entender a relação entre os regimes autoritários e o poder da capital em relação ao resto do país, do qual faz parte o domínio futebolístico dos clubes da capital. Veja-se o exemplo da Europa desde o final da Guerra. Nas democracias europeias, Alemanha, Inglaterra, França, Itália, Holanda, Bélgica e outras, os clubes de futebol da capital competiram sempre com clubes de outras cidades pelos títulos nacionais e europeus. Nos dois países onde existiam ditaduras nacionalistas, Portugal e Espanha, os clubes das respectivas capitais dominavam os campeonatos de futebol. O poder de Salazar e de Franco e o domínio do Benfica e do Real de Madrid faziam parte da mesma ordem nacional. O Porto e o Barcelona tiveram que esperar pela democracia para atingir a grandeza. A história mostra que os clubes de Lisboa se tornaram grandes no Portugal do Estado Novo e do Império. O Porto fez-se enorme no Portugal democrático e europeu.
A cidade do Porto conheceu uma trajectória semelhante e inseparável do seu maior clube, beneficiando da abertura e da internacionalização do nosso país durante as últimas três décadas. O Porto já não precisa da capital para chegar à Europa e ao mundo e, mais importante, para o mundo e a Europa virem ao Porto. O aeroporto Sá Carneiro tem qualidade mundial e da cidade vai-se por autoestrada até às capitais europeias. A rede de transportes da cidade é de alta qualidade, com o metro aberto 24 horas durante o fim de semana.
A oferta cultural, concertos, exposições e teatro, está ao nível de outras cidades europeias. No Porto come-se e bebe-se muito bem. Uma cerveja ao fim da tarde no Napoleão ou na Praia da Luz, seguida de um jantar no Cafeína, na Cooperativa dos Pedreiros ou no Tapabento constitui um programa memorável. Os arredores do Porto, sobretudo a região do Douro, são de uma beleza extraordinária. Em 2014, a cidade ganhou um prémio importante do turismo europeu, “The best European destination”. Nos últimos anos, as publicações de língua inglesa têm considerado a cidade como um dos melhores destinos para férias na Europa. Em Londres, pelo menos, o Porto está na moda.
A região do Porto constitui igualmente um exemplo nalguns sectores da vida económica e empresarial. Por exemplo, os mercados olham para a indústria de calçado como um caso europeu de sucesso perante a concorrência barata da China e da Ásia. Muitas das pequenas e médias empresas nacionais que sobreviveram à crise económica, reinventando-se através das exportações, estão no chamado grande Porto. A distância do poder central estimula a iniciativa privada, e os portuenses aprenderam a não esperar pelo Estado para andarem para a frente.
Deixo para o fim a hospitalidade das gentes do Porto. Recebem com gosto e partilham o melhor que a cidade tem para oferecer. No Porto não há visitantes. Somos todos hóspedes. O meu portismo dá-me uma sensibilidade especial para a cidade do Porto. Mas um lisboeta não precisa de ser um adepto portista para apreciar a cidade do Porto e tudo o que de bom ela tem para oferecer.
Há uma história magnífica no Portugal dos últimos anos. Além de Lisboa, há outra grande cidade europeia em Portugal, cheia de interesse, de encantos e de charme. Chama-se Porto. Merece ser visitada e apreciada.