Há uma espécie de axioma nos dias que correm. Os ricos estão cada vez mais ricos, os pobres cada vez mais pobres. Sempre que aparece um estudo que contraria este axioma – como aconteceu com o estudo do FMI que mostrava que a austeridade retirou 10% do rendimento aos mais ricos e 5% aos pobres – isso é logo desvalorizado: a realidade não interessa quando contraria a teoria que mais nos convém.

A discussão não é só portuguesa e o axioma não afecta apenas os nossos preconceitos. Pelo menos é o que se deduz de uma análise publicada no Financial Times que, a partir dos dados mais recentes das estatísticas inglesas, chega a uma constatação desoncertante, e cito:

“A variação nos padrões de distribuição dos rendimentos familiares no Reino Unido conta, de acordo com os dados mais recentes, uma história notável. Não é a história, por uma vez, dos ricos a ficarem mais ricos e dos pobres a ficarem mais pobres. É mais a história dos velhos a ficarem mais ricos por comparação com os mais novos, e dos mais novos a ficarem mais pobres”.

Não vou aqui desenvolver o argumento para o Reino Unido, apenas constatar que se trata de uma evolução que não me surpreende muito. Estou até convencido que, se fizéssemos uma análise semelhante para Portugal, chegaríamos a resultados também semelhantes. Porque o que se tem passado com a evolução salarial, com o desemprego e com as prestações do Estado Social no nosso país não é muito diferente do que se tem passado no Reino Unido, com a diferença de que aqui a crise foi mais forte e, por isso, a erosão dos rendimentos foi maior.

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Portugal, como o Reino Unido, é um país que não está feito para jovens. Passei boa parte do ano passado a estudar precisamente este assunto e o resultado foi um livro que escrevi em conjunto com a Helena Matos, “Este país não é para jovens”. Tudo o que se passou de então para cá, desde o desemprego jovem a mostrar mais dificuldade em descer do que o desemprego em geral até ao bloqueio, pelo Tribunal Constitucional, da reforma do nosso sistema de pensões da administração pública, tende a confirmar a ideia de que em Portugal os interesses estabelecidos se defendem muito bem e que isso tende a prejudicar os recém-chegados, como são por definição os que pertencem às gerações mais jovens.

A minha profissão, a de jornalista, está neste momento a passar por uma situação que ilustra bem a forma perversa, com argumentos perversos, como os mais velhos tratam de barrar o caminho aos mais novos. Refiro-me às instruções iníquas que a Comissão da Carteira Profissional dos Jornalistas (CCPV) deu ao Público, instruções essas que reforçam orientações contra as quais lutei nos anos em que lá trabalhei, instruções que o Público, e muito bem, está tentar contrariar.

A história conta-se em poucas palavras. A CCPV entende que os estudantes que realizam estágios curriculares nas redações não podem fazer qualquer trabalho jornalístico e muito menos assinar artigos. O argumento é que o jornalismo só pode ser praticado por jornalistas, e só são jornalistas aqueles que têm um título profissional passado pela CCTV. Na prática esta lógica kafkiana barra o acesso à profissão dos jovens que saem das Universidades: sem poderem praticar ao lado de colegas mais velhos, sem poderem ir criando os seus portfólios, é-lhes praticamente impossível encontrarem lugar em qualquer redação.

O Sindicato dos Jornalistas, que é dirigido por um membro assumido do Partido Comunista – o que em si não tem mal nenhum, mas é coerente com a posição corporativa assumida –, também argumenta com a ideia de que se trataria de “trabalho escravo” (confundindo situações que até existem com outras que são eticamente correctas). Refere também que é uma forma de substituir jornalistas que, no processo de reestruturação de muitas empresas, estão a ser despedidos.

É assim que chegamos ao que importa: o sistema criado pela Comissão da Carteira e pelo Sindicato é o sistema típico das profissões de acesso regulado, profissões em que os que estão se procuram defender da entrada dos que aspiram a estar. Em momento nenhum se considera o mérito dos novos – os novos que, quando se fala de outras profissões, são sempre apresentados como fazendo parte da “geração mais bem preparada de sempre” – e muito menos se avalia o mérito dos novos por comparação com o de muitos dos mais velhos. Em nenhum momento vejo preocupação por, em muitas redações, haver novos com imenso valor que ganham uma pequena fração de velhos que há muito se desinteressaram da profissão. Todos sabemos, neste ofício, que é assim que as coisas se passam. Todos desconfiamos que não é muito diferente nas outras profissões. Ou na administração pública. Ou nessa terra de lugares entrincheirados e inamovíveis como são boa parte das nossas Universidades. E por aí adiante.

Eu sei que, em tempos de crise, também se pode dizer que, se este país não é para jovens, também não é para velhos. Debati várias vezes esse argumento nas sessões de lançamento do livro, mas a minha compreensão para com as dificuldades dos mais velhos não me faz esquecer o essencial de uma realidade que é sobretudo injusta para com aqueles que ainda não conseguiram os seus “direitos adquiridos”. Não posso ser mais sensível à realidade dos avós que ajudam os seus netos, mas o que contesto é a ideia de que, numa sociedade de recursos finitos, a melhor forma de fazer justiça social seja garantir o rendimento dos avós em vez de criar mais oportunidades para os netos.

No Reino Unido os números mostram que, devido a este tipo de opções, há uma transferência de riqueza dos mais novos para os mais velhos (o que não quer dizer que os velhos sejam ricos, esclareça-se). Em Portugal é capaz de não ser muito diferente. E o problema é que os mais novos, tal como os estagiários de jornalismo, não têm nem descontam para nenhum sindicato. Também por isso ficam tantas vezes a perder.