A vida não está fácil para António Costa.
Mas a luta para se chegar a primeiro-ministro quase nunca é fácil.
No caso de Costa, as dificuldades são acrescidas.
Em primeiro lugar, está “malheureusement” ligado a um pesado legado Socrático e da respetiva governação socialista. Depois, porque o Partido Socialista está dividido em fações e personalidades feridas, sôfregas e aguerridas. E finalmente, vai combater o governo quando a economia aparenta estar a recuperar de um ciclo de recessão.
Acresce que é difícil prometer coisas quando o país ainda tem que reduzir o défice orçamental e a dívida pública e continua sujeito à vigilância comunitária. Não por acaso, a população parece menos crente em cantigas e ilusões.
Estará assim António Costa inevitavelmente perdido, restando-lhe, no máximo, a possibilidade de lutar por uma vitória marginal, que não deixará de o fragilizar na procura das soluções pós-eleitorais?
Isso será provavelmente o que acontecerá se Costa mantiver o seu posicionamento atual, defensivo e de quase “morto”, e a sua atitude de “fuga” a um combate de ideias mais claro e assumido.
Mas António Costa ainda poderá fazer outras escolhas.
De facto, o risco começa a ser a partir de agora maior para Costa, se não iniciar um caminho de maior afirmação.
Duas questões têm então que ser esclarecidas e ultrapassadas.
A primeira é a de saber se António Costa é capaz de mudar o rumo às coisas, se sabe reconhecer e assumir os erros cometidos no passado — por Sócrates, por si e pelo partido –, e se tem uma visão para o país e a persistência e a coragem para a defender, mesmo que contrariando alguns dos seus camaradas mais mediáticos, desde os relacionados com a vetusta guarda republicana e estatizante, até aos jovens pretorianos agora secretamente apaixonados pelo Syriza.
Ou seja, António Costa tem que demonstrar que é claramente diferente do típico dirigente político de carreira: proveniente das jotas, tático e pragmático à “outrance”, adepto do compromisso a todo o custo, com pouca experiência da “vida real”, vidrado no poder, trepador social, e “arranjador” de lugares para os seus apaniguados, que por isso o seguem. Terá que provar ter dentro de si uma semente de estadista, e as necessárias competências de liderança e de gestão para ganhar com margem significativa umas eleições legislativas e afirmar-se como um eficaz primeiro-ministro.
Claro que Costa tem um passado, cargos ocupados e trabalhos realizados – alguns deles mereciam ser melhor escrutinados, como a sua atuação enquanto presidente da Câmara de Lisboa –, mas esta parada é indubitavelmente mais alta e as circunstâncias atuais muito mais difíceis.
A segunda questão é saber qual é o projeto político de Costa e da sua equipa, e como vai corresponder às necessidades do País.
É que não basta dizer que se vai lutar contra as desigualdades, reconstruir o Estado Social (qual e com que dinheiro?), acabar com a “austeridade” (contas públicas equilibradas não é “austeridade”), e fomentar o crescimento económico (como?).
Consegue ou não o Partido Socialista, sob a liderança de António Costa, modernizar-se, e afirmar-se como mais liberal (essa palavra para alguns maldita) e reformador? Poderá Costa transformar o Partido Socialista no partido do equilíbrio saudável, que defende um Estado forte e presente, garante de uma rede de proteção social, bem definida e sustentável, mas também um Estado não perdulário nem ao serviço de interesses corporativos, que sabe deixar um amplo e estimulante espaço para a iniciativa dos cidadãos e para as forças mais dinâmicas da sociedade, não as asfixiando com impostos predatórios e demasiado elevados?
Concluindo, não me parece que o melhor para o País seja agora denegrir Costa, rotulá-lo de incapaz, e de definitivamente marcado pelo seu passado, mas antes espicaçá-lo para que dê o melhor de si e apresente uma alternativa e uma proposta de projeto politico que possa ser realmente considerada.
Se António Costa não corresponder, dará razão aos seus maiores críticos, que já o condenaram, acusando-o de falta de estamina e de estilo, de não saber bem o que quer ou de ter apenas ideias vagas, inexequíveis ou pouco estruturadas sobre o país. Se corresponder, trará benefícios importantes para o nosso debate democrático e para a construção de mais fortes alternativas.
O atual governo está a acabar o seu mandato. Há cerca de ano e meio, escrevi um artigo sobre os desafios com que o governo na altura se confrontava, e a que dei o título: “À altura das circunstâncias?” (Expresso, 29 de Junho de 2013). Em devido tempo, deveremos concluir se a atual governação venceu ou não com mérito os desafios referidos e se merece que lhe seja dada a oportunidade para continuar ao leme do País, ou se, pelo contrário, está esgotada e existem melhores alternativas, as quais devem ser suficientemente concretizadas (Senhores candidatos a PM: queremos um DEO).
Sabemos que o nosso futuro coletivo dependerá naturalmente das capacidades, empenho e contributo de cada cidadão, de dinâmicas exteriores relativamente às quais teremos pouco controle, e até da maior ou menor sorte.
Mas o país precisa de ter uma governação, no Estado e nas suas instituições, que nos convença, com uma liderança inspiradora, com um projeto político assertivo e claro, competente e que seja capaz de contribuir para o desenvolvimento e aproveitamento das potencialidades dos portugueses.
É pedir muito? É que estamos mesmo carentes!