Num artigo publicado a 12/11/2017 no Observador, critiquei a política em Ciência e Tecnologia (C&T) do actual Governo em três pontos fundamentais: (1) redução dos orçamentos realizados pela Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT) e distribuição “zero” de contratos individuais para projectos de investigação; (2) a decisão de acabar com o financiamento em bolsas para Programas Doutorais, que representavam um claro progresso e o alinhamento com boas práticas de países mais avançados; (3) a decisão de terminar o Programa Investigador-FCT, que recebera o aplauso geral e rapidamente se tornara a marca de água dos melhores investigadores em Portugal, atraíndo anualmente muitos dos que se encontram no estrangeiro. Se no primeiro ponto, a crítica se dirigia à falsidade da propaganda política de “maior apoio à C&T”, pois não se podem distribuir verbas “cativadas” ou inexistentes, os outros dois pontos representavam, a meu ver, uma politiquice muito prejudicial para o país, baseada em acabar com tudo – bom ou mau –, que o anterior Governo lançara.

O título daquele artigo era “o virar de página foi para trás”, “détournant” o slogan oficial e sublinhando o retrocesso para a C&T em Portugal. Ora, com enorme surpresa, ou talvez não, devo constatar que a política está a mudar: a FCT abriu um concurso para financiamento de projectos individuais, decidiu prolongar por um ano os Programas Doutorais em actividade e, depois, manter tais Programas (ainda que apenas no contexto das Unidades de Investigação) e, melhor ainda, lançou um programa igual ao Investigador-FCT, mudando-lhe o nome, “naturalmente”.

Dou por mim a pensar que a crítica cidadã pode ter algum efeito nas políticas públicas e quase me alegro: afinal a “nossa democracia” não está tão mal quanto eu temia. Depressa me convenço que devo sim congratular o Governo por ter evoluido nas suas políticas, por esta mea culpa, humilde e responsável. Desde ontem, todavia, assalta-me uma dúvida ou, quem sabe, um desengano. A revelação das principais conclusões do relatório encomendado pelo Governo à OCDE, que avaliou o estado do nosso sistema científico, de ensino superior e inovação, revela as mesmíssimas críticas, representando, em vários aspectos, uma validação das políticas anteriores. Terá então o Governo mudado pela crítica dos cidadãos, ou porque se deu conta que os “peritos” internacionais dizem o mesmo?

Ex-Coordenador do Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia

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