Se não fosse o caso da CGD estaríamos todos a festejar o fim de ano económico que tivemos, que ultrapassou as melhores expectativas. No meio de uma tempestade que envolve personalidades-chave do regime – Presidente da República, primeiro-ministro e ministro das Finanças – ficamos a saber que o défice público foi de 2,1% do PIB e que a economia terminou o ano em forte aceleração, ensaiando a terceira tentativa de recuperação desde a nossa grande recessão de 2011 a 2013.

Na quarta-feira dia 15 de Fevereiro, o ministro das Finanças tentava esquivar-se do problema em que se meteu com o caso da declaração de património da CGD – ou onde o meteram, como mais um elo fraco ao lado de António Domingues – apresentando dois dos indicadores mais importantes para a actual situação da economia portuguesa: o crescimento e o défice público. O Governo pode apresentar-se, sem margem para dúvidas, como um vencedor. E com os números do défice público que foram divulgados, por muita receita extraordinária que possa existir dificilmente ameaça a saída de Portugal do Procedimento por Défices Excessivos.

Antes de falarmos sobre aquilo que aconteceu na economia, e que é importante para a nossa prosperidade futura, vale a pena uma nota sobre o caso Caixa, que começa a assumir proporções preocupantes pelo que se vai sabendo. O que é que se sabe? Que o primeiro-ministro sabia que o Presidente da República era contra que se isentasse os administradores da CGD da apresentação da declaração de património. Que apesar disso o Presidente promulgou o diploma, sem obrigar à clarificação desse tema. Que só mais tarde, já com o acordo de capitalização da CGD concluído em Bruxelas, Marques Mendes alerta para o eventual efeito da alteração do estatuto de gestor público. Que só depois disso é que o Presidente actuou. Que, na sequência disso, António Domingues demitiu-se. E que agora se fragilizou o ministro das Finanças. Depois disto tudo quer-se dar o caso como encerrado. É correcto? Os fins justificam os meios e as vitimas que forem necessárias? Para já estamos a ver que foi uma estratégia que abriu caminhos perigosos, de grande tensão e radicalização no Parlamento, que não é positiva para ninguém. Conseguiu-se o acordo para capitalizar a CGD sem que Bruxelas considerasse esse aumento de capital uma ajuda de Estado.

Mas vamos à economia e aos números que conhecemos esta semana. Em termos gerais Portugal conseguiu crescer em 2016 basicamente o mesmo que em 2015 – duas décimas abaixo ou seja, 1,4% versus 1,6% em 2015. Contrariamente ao que se viu na comissão parlamentar de Orçamento, não vale a pena estar a debater décimas – o PIB é um valor estimado, quando falamos em décimas estamos a trabalhar já em margens de erro que mais tarde podem ser corrigidos (os números divulgados pelo INE são ainda a estimativa rápida). Vale ainda menos a pena chegar ao ponto a que chegou o ministro das Finanças, ao dizer que o crescimento trimestral do quarto trimestre de 2016 de 1,9% ultrapassa o número dos últimos três meses de 2013 porque, e são palavras de Mário Centeno, não foi 1,9% em 2013 mas sim 1,87%. Com resultados tão positivos, o ministro podia ter evitado esse comentário.

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Porque é que o andamento da economia em 2016 merece o selo de bastante positivo? O ano foi uma espécie de montanha russa: começou muito mal. E de tal forma mal que até o Governo foi pessimista. Quando se olham para as previsões feitas pela Comissão Europeia, OCDE e Governo, verifica-se que a que se aproximou mais do que se veio a verificar foi a OCDE. Os economistas de Bruxelas foram os que mais erraram – em Novembro de 2016, nas suas previsões do Outono, previram que a economia só ia crescer 0,9%.

Houve, de facto, a meio do ano razões para estar preocupado. Durante toda a primeira metade do ano a economia estava a afundar-se. Renasce apenas no segundo semestre. Como explicar o que aconteceu? Não é fácil. Podem ser várias as explicações, entre elas o turismo, a recuperação da economia externa, o reajustamento de algumas empresas exportadoras à crise em Angola e no Brasil e até a reconquista da confiança, por via da clarificação da política de um Governo inédito, em Portugal e na Europa, por ser apoiado pelo Partido Comunista e pelo Bloco de Esquerda.

O défice público de 2,1% do PIB, anunciado pelo ministro das Finanças, reflecte esse bom andamento da economia assim como a descida dos encargos com juros em 2016, o perdão fiscal (PERES) e um controlo apertado da despesa que incluiu o investimento. A margem com que este número fica dos 3%, que é o limite imposto por Bruxelas, cria condições para admitir que Portugal sairá do Procedimento por Défices Excessivos – dificilmente Bruxelas encontrará receitas extraordinárias da ordem dos 0,9% do PIB.

Nesta matéria de contas públicas, foi o Governo que mais se aproximou deste valor final, ultrapassando até as suas expectativas. A Comissão Europeia foi a que ficou mais afastada da realidade, tendo começado o ano de 2016 com uma previsão para o défice público de 3,4% (contra 2,2% do Governo e 2,8% da OCDE). A instabilidade de 2016 reflecte-se na sequência das previsões: o Governo também não acreditava, em Outubro, que conseguiria atingir o que previra em Fevereiro e altera a sua projecção para 2,4%. (valor inscrito no Orçamento do Estado para 2017). Acabou por ter uma agradável surpresa.

Vencido o instável ano de 2016 na frente da economia, estamos longe de declarar vitória nesta guerra da crise que nos persegue desde 2010/2011. A frente de batalha que está a ser mais difícil de vencer é a da dívida e da estabilidade financeira em geral. Este crescimento ainda é insuficiente para vivermos 2017 com a confiança de que tudo vai correr bem. Esta é a terceira vez desde a crise que terminou em 2013 que a economia tenta reergue-se para depois se afundar de novo. E a frente política, com o caso CGD como exemplo, está também longe de se encontrar pacificada, com sintomas preocupantes de radicalização e crispação.