Contras as expectativas de muitos – e contra todo o establishment – Donald Trump foi eleito Presidente dos EUA. Enquanto uma boa parte da esquerda dentro e fora dos EUA reage emocionalmente ao choque e procura explicar como aconteceu o que julgava ser impossível, importa começar a analisar o mais friamente possível o desfecho eleitoral e as consequências previsíveis da nova era trumpista que se anuncia.

Começando pelo mais positivo, a derrota de Hillary Clinton representou uma vigorosa e saudável rejeição de uma candidatura que incorporou e corporizou muitas das menos recomendáveis características do sistema de poder vigente nos EUA. Como bem resumiu Rui Ramos:

“Perdeu Hillary Clinton, uma candidata apoiada por quase todo o establishment, pelo presidente, pela máquina partidária com mais dinheiro desta campanha, pelo poder financeiro, pelo poder mediático, pelo poder universitário, pelo poder de Hollywood. A história da primeira mulher presidente nunca pegou, porque Clinton era sobretudo a herdeira do sistema, cheia de bagagem, de equívocos e de opacidades. Foi assim que foi derrotada.”

Acresce que seria também muito pouco recomendável que os EUA tivessem uma Presidente que somaria aos seus problemas políticos, um longo registo de suspeitas de actividades criminais, registo esse que aliás tornaria provável o desencadear de um processo de impeachment.

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Um outro aspecto positivo do desfecho eleitoral foi a inequívoca derrota de Obama e da sua retórica vazia. Ao envolver-se como se envolveu na campanha, foi o próprio Obama que fez com que a vitória de Trump – em especial nos moldes em que foi conseguida – seja também a derrota da mensagem e do legado de Obama. Como explicou Rodrigo Adão da Fonseca:

“Obama foi eleito sob a marca de uma “nova esperança” para a América e para o mundo. O anúncio do progressismo que se avizinhava era acenado com a bandeira da “mudança”, a famosa “Change” que nos conduziria até à prosperidade. Que o seu consulado termine com uma América dividida, e o seu sucessor chegue à Casa Branca motivando o eleitorado com um discurso – “Make America Great Again” – de regresso ao passado, carregado de ódio e divisão, é paradigmático das consequências que podem ter para a democracia a má gestão de expectativas – porque a América que elegeu Trump não é hoje muito diferente daquela que escolheu Obama.”

Ainda contabilizando aspectos positivos da vitória de Trump, são também de salientar as orientações anunciadas para a área da saúde (anulando o Obamacare e introduzindo maior abertura, concorrência e acessibilidade no sector), a intenção de reduzir impostos e as reformas propostas no sector da educação no sentido de maior liberdade de escolha para as famílias e descentralização a favor das comunidades locais.

Entre os aspectos negativos, merecem destaque o anúncio de medidas protecionistas – que podem, a prazo, ter graves consequências não só para os EUA mas para toda a economia global – assim como o keynesianismo difuso que parece estar subjacente ao lançamento de um programa de obras públicas a nível nacional.

Entre aspectos negativos deve ser considerado também o carácter difuso – e por vezes errático – das ideias e propostas que foram sendo apresentadas, o que aliás remete para o muito elevado grau de incerteza que, pelo menos numa fase inicial, deverá estar associado ao primeiro mandato do Presidente Trump.

Essa incerteza é particularmente melindrosa no domínio das relações internacionais – em questões tão cruciais como o envolvimento dos EUA na NATO ou as relações com a China – e também na orientação geral da política económica e regulatória. Considerando que o discurso de Trump deixou muito em aberto, resta esperar que a solidez da equipa que vai escolher esteja ao nível do vice-presidente Mike Pence e de conselheiros económicos como Stephen Moore, ex-economista-chefe da prestigiada Heritage Foundation, e Judy Shelton, co-responsável pelo Sound Money Project da Atlas Network.

Professor do Instituto de Estudos Políticos da Universidade Católica Portuguesa