Um dos problemas que a comunidade Global Shapers procura ajudar a resolver é a universalidade do acesso à educação – direito universal cujo acesso atualmente permanece vedado a 120 milhões de jovens no mundo – como medida de combate à desigualdade numa sociedade baseada no conhecimento.

Acreditamos que é possível fazer correções significativas na desigualdade contemporânea, recorrendo à inovação, liderança e sentido de comunidade, para atuar com impacto. Neste sentido, optámos por dedicar o nosso esforço este ano ao combate à desigualdade. Que tipo de desigualdade? Todos! Queremos um mundo menos desigual e mais meritocrático.

Muito tem sido feito e escrito para o combate à desigualdade, nomeadamente no combate ao absentismo e ao insucesso escolar. De acordo com a Pordata, passámos de 40% de jovens entre os 18 e os 24 anos que não completaram o ensino secundário em 1996 para 14% em 2016, mas ainda temos muito a fazer.

Já discutimos noutras iniciativas dos Global Shapers Lisbon Hub que acreditamos que o modelo de educação atual deverá adaptar-se à nova realidade de competências necessárias e tecnologias existentes. Questiono-me quanto ao modelo rígido de ensino atual e à sua adequação às necessidades dos jovens. Cada vez temos mais exemplos que estão a repensar este modelo.

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Lá fora, vemos a Finlândia a mudar a mentalidade de como ensinar e implementar a educação por tópicos em vez de disciplinas, de modo a enfocar temas relevantes e úteis para o mercado de trabalho.

Em Portugal, o Ministério da Educação propõe que se comece a testar em algumas escolas um modelo de flexibilização de temas e projetos, para os vários ciclos de ensino, sem revogar o currículo nem alterar programas.

As escolas podem gerir 25% do tempo letivo total, dos alunos do 1º, 5º, 7º e 10º ano, entre outras medidas tais como: apostar na área da cidadania nos 2º e 3º ciclos, reduzir a carga letiva do 3º e 4º ano, sacrificando o estudo acompanhado em prol de expressões físico-motoras, passando a carga semanal destas atividades de três para cinco horas. Medidas que vão permitir abordagens diferentes para dar a mesma matéria, dando latitude às escolas para adequarem o método pedagógico à sua população alvo, respeitando as idiossincrasias da respetiva comunidade e sobretudo aumentar a motivação dos alunos.

A este propósito partilhamos um caso de sucesso, ainda anterior a estas medidas, a Escola Básica 123 do Curral das Freiras, na Madeira, publicado pela revista XXI – Ter opinião, que procedeu a uma reformulação do seu funcionamento para combater o insucesso escolar e o absentismo, com resultados assinaláveis.

“Uma escola na zona mais pobre e isolada da Madeira, onde metade das famílias não tem internet e 92% dos alunos beneficiam de Acção Social Escolar, tem tido, consistentemente, notas superiores à média nacional. Em 2015, superou-se. Teve a terceira melhor média nacional no exame de Português do 9º ano, com 4,4 valores (o máximo é cinco) e foi a melhor escola pública do país na disciplina, num ano em que apenas três escolas públicas ficaram entre os 50 primeiros lugares”, apresenta a revista XXI – Ter opinião.

Lendo o artigo, constata-se que estes resultados são o corolário da liderança de um professor de 43 anos, Joaquim Sousa, que viu na possibilidade de ser diretor de uma escola recém-inaugurada na zona mais pobre da madeira, uma oportunidade de pôr em prática as suas convicções e demonstrar que a escola é por definição um elevador social.

Para alcançar o feito citado foi necessário proceder ao que descreve como”“uma pequena grande revolução”: aumentar os níveis de exigência e adaptar a escola às necessidades dos alunos.

Conciliou as horas de entrada e de saída com os horários dos autocarros, meio de transporte utilizado pela esmagadora maioria dos alunos. Sacrificou os tradicionais clubes, para oferecer horas extra de Português e Matemática. Aboliu os trabalhos para casa, respeitando a necessidade dos alunos terem vida para além da escola e sobretudo compensando a falta de diferenciação dos pais daquela comunidade com quem não seria possível co-ensinar. Adaptou os métodos de ensino às particularidades dos alunos, nomeadamente organizando as turmas com base nos ritmos de aprendizagem, alocando mais apoios às turmas com alunos com maiores dificuldades. “É um erro tratar por igual o que não é igual. Isso não é igualdade, promove, sim, a desigualdade”, diz o diretor da escola. Foram criadas atividades extracurriculares que promovem a cidadania e o respeito ambiental.

Para além destas adaptações no interior na escola, é organizada anualmente uma viagem a Lisboa ou ao Porto, alternadamente, para os alunos finalistas do 9º ano, que concluam o ano com bom aproveitamento. Esta viagem constitui uma verdadeira oportunidade, os alunos são levados a visitar diversos pontos de interesse cultural e sobretudo a Universidade de Lisboa ou porto com quem a escola tem protocolo. “Eles têm uma aula lá [o mesmo acontece na Universidade do Porto, quando a viagem é para o Norte], porque queremos que eles vivam essa experiência e percebam que ali também pode ser o lugar deles”, diz João Sousa. De referir ainda que esta viagem é financiada pelos trabalhos dos alunos, tais como vender bolos aos professores e ajudar nas festas da freguesia, o que lhes permite fazer a viagem independentemente do apoio financeiro dos pais. Aqui tudo foi pensado com um único objetivo: o futuro sucesso profissional.

Apesar de Joaquim Sousa não se considerar o herói desta história mas sim a figura de proa deste projeto, realço que “A escola tem 28 docentes no quadro, que no início de cada ano fogem para paragens mais arejadas. Apenas seis têm permanecido de ano lectivo para ano lectivo, e, desses, três tentam sempre pedir destacamento – os que não integram a direcção executiva” e “todos os anos, os novos professores que chegam continuam a colocar reticências”, partilhou o director. Todos os anos constituem um desafio de liderança para este professor a quem cumpre garantir a aculturação dos novos colegas para dar continuidade ao projeto.

Por outro lado, há que destacar que este projeto teve início em 2009 e só em 2011 é que começaram a aparecer os resultados. Partiram de uma discrepância de mais de dois valores entre a média interna e a média dos exames nacionais (4,1 para 1,9 valores em cinco) para serem em 2011 a melhor escola do arquipélago, em 2014 à porta do top 100, 2015 surpreender e em 2016 consolidar.

Para além da liderança, o próprio diretor diz que parte do sucesso das reformas introduzidas se deveu ao facto da escola ter poucos alunos (320 no total, desde a creche até ao 12ºano, adultos a estudar à noite inclusive), o que permite um maior acompanhamento e pela falta de oferta de outras atividades para os jovens daquela localidade, para além de ajudar os pais no campo.

Este exemplo ilustra a aplicação de muitas das medidas anunciadas pelo governo que vão potenciar a capacidade da escola ser um autêntico elevador social. No entanto, sublinho a importância de não esquecer os pressupostos. Não querendo juntar-me aos “velhos do Restelo”, admito que será um desafio implementar um modelo semelhante em agrupamentos de escolas com 2.000 ou mais alunos, 30 alunos por turma, professores desmotivados a trabalhar significativamente longe de casa, etc. Contudo, “querer é poder” e as palavras de Pessoa “tudo vale a pena se a alma não é pequena”.

Acredito na importância da educação, baseada em valores e no culto do esforço e dedicação, para enfrentar vários desafios ao longo da vida. Porquê ter um modelo igual ou muito semelhante para todos com tantas necessidades distintas? Acredito que o modelo implementado pode e deve ser adaptado e replicado noutros estabelecimentos de ensino, em função das características dos alunos e respetivo contexto social. Que devemos ser mais flexíveis de modo a adaptarmo-nos às diferenças dos alunos, para verdadeiramente promover a igualdade de oportunidades e um melhor futuro para os jovens.

Louvo a iniciativa e o bom senso demonstrado pelo governo, ao implementar a medida apenas nalgumas escolas, para os inícios de ciclo, sem alterar programas e manuais escolares. Aos professores deixo a minha palavra de apreço e incentivo para conduzirem as adaptações necessárias. Aguardamos ansiosamente os resultados das medidas adotadas.

Rui Esteves tem 29 anos e é Oficial de Marinha, formado em ciências militares navais. Juntou-se ao Global Shapers Lisbon Hub em 2014.

O Observador associa-se aos Global Shapers Lisbon, comunidade do Fórum Económico Mundial para, semanalmente, discutir um tópico relevante da política nacional visto pelos olhos de um destes jovens líderes da sociedade portuguesa. Ao longo dos próximos meses, partilharão com os leitores a visão para o futuro do país, com base nas respetivas áreas de especialidade, como aconteceu com este artigo sobre a Escola. O artigo representa, portanto, a opinião pessoal do autor enquadrada nos valores da Comunidade dos Global Shapers, ainda que de forma não vinculativa.