“Homens em necessidade não são homens livres”. A frase original é de Franklin D. Roosevelt, ex-presidente norte-americano, e foi invocada esta segunda-feira pelo presidente do Tribunal Constitucional a propósito dos direitos sociais e da Constituição portuguesa.
Na sessão de abertura de uma conferência sobre o Second Bill of Rights (lista de direitos apresentada pelo Presidente dos EUA em 1944) na Faculdade de Direito de Lisboa, Sousa Ribeiro defendeu que esta frase, à distância de 70 anos, aplica-se na perfeição à Constituição portuguesa. “É uma frase simples, mas tão expressiva e, no fundo, corresponde à perspetiva assumida pela Constituição portuguesa”, explicou.
Segundo o presidente do TC, a Constituição “não é dualista, não é uma justaposição de dois mundos distintos e porventura opostos, mas uma relação recíproca de direitos sociais e económicos que reforçam a estrutura da liberdade”. Se nos EUA o programa político de Roosevelt ficou por aplicar, em Portugal os direitos económicos e sociais “obtiveram uma concretização legislativa bastante rápida e profunda”, afirmou Sousa Ribeiro. No entanto, desde a sua aprovação, em 1975, a Constituição tem sofrido várias pressões que o juiz optou por concretizar.
“O que assistimos a partir da década de 80 foi a progressiva introdução de medidas redutoras do nível já alcançado, por exemplo, no Serviço Nacional de Saúde ou no direito ao trabalho por condicionamentos do financeiramente possível e também por novas opções de orientação política. Tudo isso tem levado a medidas redutoras restritivas que não são de agora”, explicou, referindo-se também às últimas leis do Governo que lhe passaram pelas mãos. “Estas últimas medidas, no âmbito das leis dos Orçamentos do Estado, atingem remunerações que eram um bem até agora incólume e na Segurança Social afectam prestações já em pagamento”, acrescentou, perante uma plateia de 30 pessoas.
Considerando que “a pessoa humana não pode ser usada para um fim”, o juiz lembrou ainda o acórdão 509/2002 do TC sobre mínimos de existência condigna, que tem “uma visão unitária” dos direitos sociais e da liberdade e que, na altura, foi sujeito a várias críticas. “A liberdade é um valor cimeiro, função matricial e legitimatória, pólo agregador de um conjunto de direitos fundamentais”, explicou.
A Lei Fundamental estabelece, logo no início, “uma democracia económica e social e a efectividade dos direitos sociais, todos eles fundamentais para a prossecução desse objetivo”, sublinhou, considerando que, por isso, o poder político fica obrigado ao estabelecimento de medidas que preservem a dignidade da pessoa humana e que isso dá “caráter emancipatório” a categorias como a liberdade e a igualdade.