Nunca fui fã das manhãs de domingo, mas o dever cívico tirou-me cedo da cama. Às 09h05 já estava à porta da Câmara Municipal de Valongo, com medo de apanhar uma fila longa que me fizesse perder o debate entre Francisco Assis e Paulo Rangel transmitido pelo Observador, às 10h30. Não havia ninguém.

Natural de Ermesinde, no distrito do Porto, mas a trabalhar em Lisboa, há já algum tempo que conheço os mecanismos que me ajudam a evitar a abstenção. Como no dia das eleições vou estar a trabalhar a 300 quilómetros da minha freguesia, tenho a oportunidade de votar antecipadamente na câmara municipal do meu concelho, entre 15 e 20 de maio. As câmaras municipais de todo o país ficam abertas durante o fim-de-semana, à espera de votantes. Mas a espera torna-se longa.

Não se via ninguém no edifício, para além do vigilante, por isso avancei receosa. “Bom dia, era para votar nas europeias”. Resposta: “Espere só um momento que vou chamar a responsável”. Após uns minutos a aguardar, subi um piso e entrei numa pequena sala, cheia de boletins de voto e vazia de membros de mesa. Ninguém chamou pelo meu nome. Ninguém me procurou a partir de uma longa lista de eleitores. Nem sequer havia urna.

A votação antecipada é mais informal do que a regular. O meu envelope foi lacrado com uma moeda de um cêntimo, mas já lá vamos. A responsável colocou o boletim de voto na mesa e deu-me uma caneta para que eu pudesse colocar a cruzinha num dos 16 quadrados disponíveis. Sempre de costas para mim, pediu-me que depois dobrasse o meu voto, o colocasse num envelope branco e que, no final, o colasse, para ser colocado dentro de um envelope azul.

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O papel que declara que estou a trabalhar a 25 de maio, assinado e carimbado pelo meu superior hierárquico, segue também no envelope azul, onde consta o meu número de eleitora, e que deverá ser assinado posteriormente pelo presidente da Câmara. Para selar o envelope azul, a funcionária pega num pedaço de lacre, derrete-o com um isqueiro e deixa cair umas gotas vermelhas no sítio certo. “A menina tem aí uma moeda? É para lacrar e certificar que ninguém abre”. Filha da era digital, nunca tinha visto um envelope a ser lacrado e, ao ver a tinta vermelha no envelope, emprestei a moeda mais pequena que tinha, um cêntimo, com medo que ficasse inutilizada. Não ficou.

A 25 de maio, quando a generalidade dos portugueses for votar, o meu boletim vai ser enviado para a Junta de Freguesia de Ermesinde, onde ainda mantenho morada fiscal. Será colocado na urna onde estão os outros, para não corromper o secretismo do voto.

Em quatro dias, fui a única em 93 mil habitantes que votou no município de Valongo. Depois de mim, só mais três eleitores apareceram. Por todo o país, poucos aproveitam esta oportunidade, não só porque a abstenção é tradicionalmente alta em matéria de eleições europeias – em 2009 foi de 63% – mas também porque poucos conhecem esta opção de voto, alargada a estudantes e trabalhadores em 2010. Se nas próximas eleições legislativas, em 2015, estiver a trabalhar, for um estudante deslocado, estiver internado ou preso (esperemos que não), já sabe que não tem desculpa.