À semelhança do que fez em apreciações anteriores, o Governo enviou para o Tribunal Constitucional (TC) um conjunto de oito documentos com a argumentação a favor das quatro normas que estavam a ser apreciadas: redução dos salários dos funcionário públicos, redução dos complementos de pensão do setor empresarial do Estado, corte nas pensões de sobrevivência e corte nos subsídios de doença e desemprego. E quase todos foram ignorados pelos juízes.
Na argumentação do Governo, a equipa de Passos Coelho começa por afirmar que a consolidação orçamental não começa nem termina com o resgate: “Tal esforço, que tem sido levado a cabo através da adoção de um importante conjunto de medidas tanto do lado da receita como da despesa, não terminou em 2013 e muito menos terminará com o fecho do Plano de Assistência Económica e Financeira [PAEF], que se estima que venha a acontecer em maio próximo”, escreve o Governo no documento que enviou para o TC.
Depois da argumentação geral, a equipa de Passos Coelho dedicou-se a analisar ao detalhe cada norma em apreciação pelos juízes.
Sobre a redução de salários
Na argumentação a favor de um corte nos salários dos funcionários públicos, o Governo começa por lembrar que este aconteceu no período antes da troika. Isto porque a primeira redução salarial foi imposta no Orçamento do Estado para 2011, feito em Outubro de 2010. Lembra o Governo que à época, o TC dizia que a redução dos salários se integrava “numa estratégia global, delineada a nível europeu” e que implicou “a necessidade de uma drástica redução das despesas públicas, incluindo as resultantes do pagamento de remunerações”.
No mesmo ponto, o Governo explica ainda a necessidade de proceder à redução dos salários pela necessidade de cumprir com as regras do Tratado Orçamental. Neste ponto, no documento, o Executivo reforça a ideia de que, no fim do programa, é necessário continuar a levar a cabo a consolidação orçamental: “O término do PAEF apresenta, por isso, desafios incontornáveis ao Estado e ao legislador, que em caso algum podem ser descurados, sob pena de se desperdiçar todo o longo caminho que foi percorrido até aqui”.
A favor da redução dos salários, o Governo usou ainda mais cinco argumentos:
- A comparação com medidas levadas a cabo noutros países sob assistência (Irlanda, Grécia e Espanha);
- A necessidade de responder ao que estava no Memorando de Entendimento, que exigia uma redução de dois terços do lado da despesa e um do lado da receita. Neste ponto, o Governo lembra que foi levado a cabo
“um esforço muito significativo do lado da receita através do aumento do imposto sobre as pessoas singulares até praticamente ao limite do suportável”.
- O respeito pelo princípio da proporcionalidade. Neste ponto, o Governo usa até uma expressão já usada pelo Presidente da República, dizendo que no seguimento dos cortes levados a cabo desde 2011, o legislador “não ultrapassa os limites do sacrifício nem prejudica a igualdade proporcional entre aqueles que recebem verbas públicas e todos os restantes” ao manter um mínimo de 675 euros.
- A comparação entre setor público e setor privado.
- Por fim, garante o Governo que não está a violar a transitoriedade pedida pelo próprio Tribunal, dizendo que a “transitoriedade das medidas deve ser aferida não pelo seu caráter orçamental, mas tendo em conta a função a que se encontram adstritas e o contexto em que surgiram, remetendo para o acórdão do Tribunal de 2011.
Sobre a Taxa sobre subsídios de doença e desemprego
A argumentação do Executivo no que diz respeito à manutenção da taxa sobre os subsídios de doença e de desemprego segue a linha da que usou no que à redução salarial diz respeito: já foi feita e já passou no Tribunal Constitucional. A “excepcionalidade” mantém-se.
No documento, a que o Governo chamou Fundamentos sobre a constitucionalidade” da lei do Orçamento do Estado, é dito ainda que a medida encontra-se “funcionalmente ligada à necessidade de reforço imediato do financiamento do sistema de Segurança Social e que surge como remédio (transitório) para fazer face à tendência deficitária que o mesmo tem revelado na última década”.
Para responder às críticas de que estas taxas (de 5% e 6%) violavam o direito à Segurança Social, o Governo lembra que este direito “está sujeito à reserva do possível ou, mais propriamente, à reserva do financeiramente possível“. Ou seja, diz o Governo que
“os direitos sociais são, por natureza, direitos a prestações do Estado a que está associado um custo não negligenciável, a sua maior ou menor concretização depende, essencialmente, de uma decisão política de distribuição dos recursos disponíveis ou, se preferirmos, do exercício da margem de livre conformação do legislador.”
Citando o próprio Tribunal Constitucional, no documento lembra-se que esta taxa não “descaracteriza as prestações” de apoio. Mais, diz-se que uma medida com estes contornos já tinha sido aprovada e considerada como “idónea, necessária e razoável”.
Nova fórmula das pensões de sobrevivência
No que toca à nova fórmula de cálculo das pensões de sobrevivência, o Governo começa por dizer que a medida não altera retroativamente os valores em pagamento e segue depois o mesmo raciocínio que usou na taxa aplicada aos subsídios. Diz o documento que “o pleno cumprimento do programa constitucional dos direitos sociais depende essencialmente de fatores financeiros e materiais que, em grande medida, o Estado não domina. Assim, a concretização legislativa dos direitos sociais é levada a cabo pelo legislador em função dos recursos disponíveis em cada momento.”
E acrescenta mais, lembrando que foi o próprio Tribunal, no acórdão de 2013 sobre o corte nas pensões, que escreveu que “caberá ao legislador ordinário, em função das disponibilidades financeiras e das margens de avaliação e opções políticas decorrentes do princípio democrático, modelar especificamente esses elementos de conteúdos de pensões”. Isto porque no pedido de fiscalização tinha sido solicitado ao Constitucional que avaliasse também a conformidade com o direito à Segurança Social.
Na fiscalização, foi ainda pedida a análise da concordância com o princípio da confiança. E neste caso, o Governo lembra não só o contexto de “absoluta excecionalidade”, como também o facto de ter sido colocada uma cláusula de salvaguarda que impede a redução das pensões com valores acumulados abaixo de 2.000 euros. Além disso, diz o Executivo que a medida respeita o princípio da proporcionalidade, uma vez que a redução será “progressiva, garantindo que quem recebe pensões (acumuladas) de maior valor será convocado para um maior esforço contributivo”.
Apesar da argumentação do Governo, o Tribunal Constitucional acabou por chumbar três das quatro normas em análise e sempre pelos princípios da igualdade e proporcionalidade. O Governo apenas fez passar a argumentação sobre a não violação do direito à Segurança Social.
Foram chumbados os cortes nos salários dos funci0nários públicos (Artigo 33º), por violação do princípio da igualdade, a contribuição sobre prestações de doença e de desemprego (Artigo 115º), por violação do princípio da proporcionalidade e o corte nas pensões de sobrevivência dos cônjuges e ex-cônjuges (Artigo 117º), também pelo princípio da igualdade. O Constitucional decidiu considerar conforme a Constituição os cortes nos complementos de pensão do setor empresarial do Estado.