Esta é a história de um homem que começou a deixar a sua marca há 80 anos. E que dura até hoje. Vittorio Pozzo revolucionou o futebol italiano e colocou-o no topo da pirâmide. Emprestou-lhe autoridade, ambição e tática. Deu-lhe títulos e um lugar eterno nos contos de fadas dos Campeonatos do Mundo.

Pozzo foi convidado para a seleção italiana em 1929, a tempo de disputar o primeiro Mundial de futebol, que decorreria no Uruguai em 1930. Antes já tinha liderado a seleção mais jovem nos Jogos Olímpicos de Estocolmo (1912) e Paris (1924) — nestes últimos JO venceu a medalha de bronze. Para o Mundial de 1930 não houve qualificação, mas sim convites. A distância e o custo da viagem afastou as seleções europeias. Um Mundial sem Europa não faria sentido. Jules Rimet, o então presidente da FIFA, interveio e garantiu que quatro equipas atravessassem o Atlântico: Bélgica, França, Roménia e Jugoslávia. Pozzo e companhia ficariam em terra. Longe da glória. Esse Mundial, que teve lugar no Uruguai para celebrar o centenário da primeira Constituição daquele país, seria vencido pela equipa da casa, depois de um 4-2 à Argentina na final de Montevideu.

A cantiga seria outra em 1934. A Itália de Pozzo queria seguir o exemplo do Uruguai e vencer o Mundial que organizava. Mais do que um torneio de futebol, jogava-se a exaltação de uma Itália liderada por Mussolini. Uma goleada à Grécia (4-0) na qualificação e aos Estados Unidos (7-1) na primeira ronda deixavam augurar algo de bom. A Espanha seria o próximo adversário nos quartos-de-final, um verdadeiro osso duro de roer. Nem 120 minutos chegariam para definir um vencedor: terminou 1-1. A solução passava pela repetição do duelo. Florença, o palco da partida, voltava a ver um outro tipo de Renascimento. Reza a história que quatro italianos e sete espanhóis não estavam em grandes condições físicas para jogar. Ricardo Zamora, um mítico guarda-redes espanhol, e Giuseppe Meazza, um fantástico avançado italiano, estavam nesse lote. O último resolveria a partida com um golo aos 11′. “Tê-lo na tua equipa significa começar todos os jogos a vencer 1-0”, chegou a dizer Pozzo sobre o homem que um dia daria o nome ao estádio do Inter de Milão.

A meia-final estava agendada para 3 de Junho, em Milão. Faz hoje 80 anos. O adversário era a complicada Áustria do treinador Hugo Meisl, que já havia despachado a França (3-2) e a Hungria (2-1). A Itália voltaria a vencer por 1-0, agora com golo de Enrique Guaita aos 19′.

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Legendary Italian manager Vittorio Pozzo (1886 - 1968) talking with his players before a period of extra-time, after the first ninety minutes of the World Cup final against Czechoslovakia ended goaless.   (Photo by Fox Photos/Getty Images)

A final seria contra a Checoslováquia, em Roma. Onde haveria de ser? O Estádio Nacional confundia-se com o Coliseu. Seria um dia épico. Mas os checos não estavam virados para ser os bobos da festa e marcaram o primeiro golo já a 20′ do fim, por Antonín Puč. Pozzo terá conseguido incendiar a alma dos seus jogadores e motivá-los para virar o jogo do avesso. Orsi (81′) e Schiavo (no prolongamento) dariam a volta ao marcador e os italianos festejariam o primeiro título da sua história. Pozzo foi levado em ombros pelos jogadores, mas deixava claro que ainda havia trabalho para fazer.

QUATRO ANOS DEPOIS…

A história repetiu-se. O Campeonato do Mundo teve lugar em França. A escolha do palco deixou algum desconforto na América do Sul, continente que contava com um ping pong entre eles e a Europa relativamente à organização do torneio. Em protesto, Argentina e Uruguai optaram por não participar. Os italianos eram vistos como favoritos e tinham sofrido uma evolução: a equipa estava praticamente toda ela renovada e tinha mais técnica. Era mais refinada. Apenas Giuseppe Meazza e Giovanni Ferrari repetiam a convocatória de 1934.

A primeira partida do Campeonato do Mundo gaulês foi contra a Noruega. Antes, durante o hino, vários refugiados italianos que fugiram do regime de fascista assobiaram, e muito, a sua própria equipa. Afinal, aquela era “a equipa de Mussolini”, a razão pela qual deixaram tudo para trás. Reza a história que os assobios tiveram a duração da saudação fascista. O baixar de braço coincidiu com o fim dos apitos ensurdecedores, o que levou Vittorio Pozzo, receoso de que aquilo desmotivasse a equipa, a ordenar nova saudação. “Ganhámos à intimidação”, terá dito. Segundo alguns relatos, o treinador italiano não era fascista mas terá trabalhado de perto com alguns nomes importantes do regime fascista.

Agora futebol. A Noruega obrigou os campeões em título a disputar um prolongamento. Ferrari e Brustad marcaram os golos durante os 90′, em Marselha. Piola, um ponta-de-lança letal, resolveria a partida aos 94′, já no prolongamento.

Seguia-se a equipa da casa nos quartos-de-final. Um bis de Piola embalou os italianos para a vitória (3-1).  A meia-final seria contra os canarinhos treinados por Ademar Pimenta. Colaussi e Meazza adiantaram os italianos; Romeu reduziu a três minutos do fim. A Itália voltaria a jogar uma final de um Mundial, o que era inédito até então.

The Italian football team with their coach Vittorio Pozzo before the World Cup final against Hungary at the Stade Olympique de Colombes, Paris. The Italians won the match 4-2. (Photo by Keystone/Hulton Archive/Getty Images)

A final de Paris juntava Hungria e Itália, que jogariam o trono do futebol mundial perante 45 mil adeptos. Colaussi marcou primeiro e Titkos empatou logo de seguida. Piola entrou depois em ação e voltou a colocar os italianos na frente. Colaussi bisaria (3-1) e Sárosi reduziria (3-2). A machadada final surgiria por Piola, o tal avançado com queda para o golo. Nascido em Robbio, na região da Lombardia, Piola jogou no Pro Vercelli, Lazio, Torino, Juventus e Novara – o estádio destes últimos chama-se Silvio Piola.

Vittorio Pozzo fazia assim história. Entre 1938 e 2014 ninguém conseguiria imitá-lo. A sua lenda até podia ter engrandecido mas os Campeonatos do Mundo teriam um “stop” quando estalou a Segunda Guerra Mundial. O regresso da competição maior do futebol dar-se-ia apenas em 1950, no Brasil. Pozzo ficou ainda ligado a variantes táticas, a inovações. Como é um tema bastante complexo e com demasiado “futebolês”, convidamos os leitores a visitar este ou este site. Quando acabou a carreira, o italiano aventurou-se pelo mundo do jornalismo, onde tratava temas afetos ao futebol, pois claro. Viria a morrer em Turim, onde nasceu, a 12 de março de 1886, a quatro dias do Natal de 1968.

Curiosidade: entre os Mundiais que venceu, Pozzo conquistou ainda os Jogos Olímpicos de 1936, em Berlim: 2-1 na final contra a Áustria (bis de Annibale Frossi).

Luiz Felipe Scolari, campeão do mundo pelo Brasil em 2002, e Vicente del Bosque, o selecionador espanhol que venceu em 2010 na África do Sul, poderão igualar o feito de Vittorio Pozzo. O gentleman espanhol pode, no entanto, imitá-lo ao poder vencer dois Campeonatos do Mundo consecutivos.