“Deficientemente preparadas” e “tecnicamente mal concebidas”. É desta forma que Paulo Núncio, secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, classificou, em declarações ao Observador, as propostas apresentadas por António José Seguro com o objetivo de alterar duas normas do regime do imposto sobre o valor acrescentado (IVA). A crítica, feita ao Observador, já mereceu resposta da direção socialista – e à letra.

O líder do PS sugeriu, na quarta-feira passada, que as empresas que se atrasam no pagamento das faturas aos respetivos fornecedores deixem de poder deduzir o IVA relativo a estes documentos contabilísticos enquanto não procederem à liquidação dos valores em falta. E avançou, também, com uma proposta que prevê que as sociedades que fornecem bens e serviços ao Estado só devem pagar aquele imposto quando o Estado lhes pagar aquilo que lhes deve.

O responsável, no Executivo, pela matéria fiscal, ressalvou que o Governo “não tem conhecimento formal das propostas apresentadas pelo PS”, mas adiantou que a primeira “aparenta não ser compatível com o direito comunitário” e a segunda “não parece fazer sentido”, por já ser aplicada “nos termos previstos no regime de ‘IVA de caixa’ aprovado pelo Governo em maio” de 2013.

“O IVA é um imposto regulado a nível europeu através de Diretiva, pelo que cada Estado-membro, incluindo Portugal, deve cumprir com as regras estabelecidas, nomeadamente em termos das regras aplicáveis à forma e período de dedução do imposto”, afirma Paulo Núncio.

Sobre as empresas que se atrasam nos pagamentos aos fornecedores, Paulo Núncio referiu “o IVA é um imposto regulado a nível europeu através de Diretiva, pelo que cada Estado-membro, incluindo Portugal, deve cumprir com as regras estabelecidas, nomeadamente em termos das regras aplicáveis à forma e período de dedução do imposto”. E recordou que “tendo em conta as limitações previstas a nível europeu, o Governo aprovou, em 2012, um novo regime aplicável às regularizações de IVA referentes a créditos de cobrança duvidosa ou incobráveis, o qual já permite efeitos equivalentes aos aparentemente pretendidos” com a proposta anunciada por António José Seguro.

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Sob as regras atuais, prosseguiu o secretário de Estado, “os sujeitos passivos que venderam um bem ou prestaram um serviço e não receberam o pagamento do preço dos respetivos clientes podem hoje, em condições muito favoráveis, regularizar a seu favor o IVA respeitante a esses créditos”. Por outro lado, “as empresas que compram mas não pagam aos seus fornecedores, são já hoje obrigadas a proceder à regularização do IVA inicialmente deduzido”, acrescentou Paulo Núncio.

Quanto à sugestão que abrange as empresas que fornecem bens e serviços ao Estado, o governante recordou que o “regime de ‘IVA de caixa’, aprovado pelo Governo em maio de 2013, já abrange as operações com o Estado e outras entidades públicas” e que, com a aprovação deste regime, o Executivo garantiu “que o Estado seja tratado da mesma forma que o sector privado”. Desta forma, explicou Paulo Núncio, “o regime foi concebido para que, nos casos de transações com o Estado, as empresas não sejam penalizadas e obrigadas a adiantar o valor do imposto que se encontra em falta por atrasos de pagamento do próprio Estado”.

“Só podem estar no regime de ‘IVA de caixa’ as empresas que tenham até 500 mil euros de volume de negócios”, o limite máximo que os estados-membros podem adoptar unilateralmente sem a necessidade de haver a intervenção da União Europeia, sublinha Susana Claro.

Susana Claro, fiscalista e especialista em questões do IVA da consultora PricewaterhouseCoopers, tem uma visão semelhante sobre a primeira proposta. Em declarações ao Observador, referiu que a iniciativa socialista que visa permitir a dedução do IVA depois de as empresas pagarem aos seus fornecedores “não é tecnicamente possível” porque este imposto “está sujeito a regras comunitárias e não se pode impor estas regras de dedução do IVA em função da cobrança de faturas”.

A fiscalista alerta já haver uma excepção, prevista no Orçamento do Estado para 2013. O “regime de ‘IVA de caixa’ diz que quem quiser estar neste regime só entrega o IVA quando receber o pagamento, mas só pode deduzir quando pagar aos fornecedores. Só que só podem estar neste regime de ‘IVA de caixa’ as empresas que tenham até 500 mil euros de volume de negócios”, o limite máximo que os estados-membros podem adoptar unilateralmente sem a necessidade de haver a intervenção da União Europeia.

A proposta do PS referente às empresas que fornecem serviços ao Estado, merece, de Susana Claro, um entendimento diferente daquele que é defendido por Paulo Núncio. “É uma medida da mais elementar justiça”, disse a fiscalista, mas, “à data de hoje, não é possível aplicar porque as regras do IVA seguem diretivas comunitárias”.

A especialista em IVA acrescentou que “há uma exceção: esta medida já se aplica nas obras públicas. Quando o devedor é o Estado, o empreiteiro só entrega o IVA quando o Estado pagar”. E concluiu: “Na generalidade dos serviços e vendas para o Estado só se pode aplicar esta medida se houver um pedido à Comissão Europeia, ou seja, se mudarem as regras comunitárias”.

PS desafia Governo a sentar-se à mesa

Na resposta ao Governo, Óscar Gaspar é igualmente duro com Paulo Núncio: “É lamentável que comente tecnicamente propostas que não conhece, nem pode conhecer, porque ainda não foram entregues no Parlamento”, diz o conselheiro económico de Seguro, acusando Núncio de ter tido “necessidade de reagir para fazer oposição à oposição”.

“Os portugueses bem se lembram que o argumento no IRC também era as propostas do PS não serem exequíveis – e depois percebeu-se que o Governo é que não as queria executar”, lembra o socialista, recuperando as negociações que acabaram num acordo de médio prazo entre a maioria e os socialistas, incluindo nele várias ideias do PS.

Para Óscar Gaspar, “a questão dos pagamentos em atraso por parte do Estado é um problema que até a troika realçou. Mas o Governo parece conviver bem com incumprimento das suas obrigações e com financiamento à custa das PME”. E lembra o apoio dado pelo presidente da CIP às ideias de Seguro, para as garantir como “viáveis, realistas e totalmente oportunas”. “Cá estaremos para discutir todas as questões técnicas, que o Governo não se refugie nesses argumentos para deixar de pagar os cerca de 5 mil milhões de euros que deve, mais de 2 mil milhões em atraso reconhecidos pelo próprio Ministério das Finanças”, afirma em declarações ao Observador.