Um dia depois de uma sessão de julgamento no âmbito do processo BPN, Duarte Lima regressou ao Campus de Justiça, mas com um destino e um processo diferentes: o Tribunal de Instrução Criminal, onde foi ouvido como suspeito de  o homicídio de uma cliente, Rosalina Ribeiro, no Brasil.

A audiência no 5º juízo foi a segunda para responder a várias questões, enviadas pelo tribunal de instrução criminal brasileiro. Duarte Lima continua a lançar suspeitas para a única filha viva do milionário Lúcio Tomé Feteira, de quem Rosalina Ribeiro era secretária e amante. Mas a juíza não se mostrou condescendente. E disse que “5 milhões” de honorários – o valor que a justiça brasileira diz ser o móbil do crime – são uma quantia demasiado “generosa”. O Observador conta-lhe os avanços e os recuos de um processo-crime que começou em dezembro de 2009, na sequência de uma polémica herança milionária.

  • 7 de dezembro de 2009. Rosalina Ribeira é assassinada com dois tiros. O seu corpo é abandonado na berma de uma estrada em Saquarema, Lagos, no Brasil. Rosalina trabalhou e foi amante, durante 32 anos, de um industrial português, fundador da Covina em Portugal. Lúcio Tomé Feteira morreu em 2002, deixando uma herança milionária. Rosalina tinha interposto um processo no Brasil para ser considerada sua companheira de facto. E herdar uma fatia maior que a deixada em testamento. Em Portugal, a única filha do empresário, Olímpia Menezes, interpôs um processo para anular a deixa testamentária, que atribuía parte da sua fortuna à mulher que o acompanhou durante anos.

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    Uma amiga de Rosalina Ribeiro chegou a queixar-se do seu desaparecimento

  • Duarte Lima envia uma carta às autoridades brasileira a 21 de dezembro de 2009. Identifica-se como sendo advogado de Rosalina Ribeiro e fala num encontro que teve com ela no dia do seu “desaparecimento”. Diz que a deixou junto de uma amiga, de nome Gisele, em Maricá. Meses depois chegou mesmo a enviar um retrato-robot da misteriosa mulher “loura” que a polícia brasileira nunca chegou a encontrar.
  • Em outubro de 2010 as autoridades brasileiras querem fazer perguntas a Duarte Lima. A Polícia Judiciária afirma, sempre, que só investiga se houverem, de facto, suspeitas de que um cidadão português matou uma cidadã portuguesa. A polícia brasileira decide enviar uma carta rogatória com 193 perguntas. O ex-deputado e advogado recusa responder. Diz não conhecer o processo e não saber se está a ser ouvido como testemunha ou suspeito. O Ministério Público devolve as dúvidas ao Brasil.
  • Em novembro de 2011, Duarte Lima é detido no âmbito do processo BPN. Um mês depois é formalmente acusado de homicídio no Brasil. Móbil do crime: os 5 milhões de euros que Rosalina terá transferido para a sua conta como adiantamento de honorários. E que queria, alegadamente, que fossem devolvidos. Um mês depois, o processo é enviado ao Ministério Público português. Em Portugal continua sem ser aberto qualquer inquérito ao crime. Duarte Lima enfrenta a justiça portuguesa apenas no processo BPN.
  • Deduzida a acusação no Brasil, o processo entra na fase de instrução. E o tribunal decide dar mais uma oportunidade a Duarte Lima para falar. Desta vez são 46 perguntas. E há uma pergunta direta ao ex-deputado. Matou Rosalina Ribeiro? A carta rogatória chegou em fevereiro de 2014 e, em maio, Duarte Lima chegou ao 5º juízo do Tribunal de Instrução Criminal de Lisboa para responder.
  • Nessa sessão, o Ministério Público requer que seja extraída uma certidão a propósito das suas declarações. Se recebeu 5 milhões de euros e não os declarou em Portugal, então pode ser suspeito dos crimes de evasão fiscal ou branqueamento de capitais – foi o que aconteceu. É a primeira vez que o MP levanta suspeitas e começa a investigar Duarte Lima na sequência da morte de Rosalina Ribeiro.
  • Esta manhã de terça-feira Duarte Lima voltou ao tribunal. Antes de ser sujeito às questões que ficaram por responder, pediu para falar “nas cinco mentiras” do processo. Apontou o dedo à única filha de Lúcio Tomé Feteira e lembrou um processo que correu na justiça suíça, em que Olímpia Menezes “teria falsificado uma assinatura” para conseguir transferir dinheiro das contas do pai. Recorde-se que as autoridades suíças confirmaram que saíram 5 milhões de euros da conta de Rosalina e Tomé Feteira para a conta de Duarte Lima. Disse ainda que foi Olímpia quem contaminou o processo no Brasil e que esta foi mesmo condenada na Suiça a pagar-lhe uma indemnização. À porta do tribunal, ela negou.
  • A juíza alegou que as suas declarações eram pouco consistentes. E lembrou que 5 milhões de euros eram honorários elevados. Duarte Lima abandonou a sala do tribunal. As suas respostas seguem agora para as autoridades brasileiras, onde decorre o processo, e que vão decidir se vai ou não a julgamento.

 A história de uma herança milionária

Lúcio Tomé Feteira nasceu em Leiria e fundou, nos arredores de Lisboa, a Covina – Companhia Vidreira Nacional. Antes de conhecer Rosalina, Lúcio era já casado com Adelaide. Foi nessa altura, pouco depois de se casar, que soube da gravidez de uma mulher com quem se envolvera. Contou tudo à mulher e os dois assumiram a criança, Olímpia de Azevedo Tomé Feteira.

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Quatro anos depois do casamento entre Lúcio e Adelaide nasceu um filho varão, “Lucito”,  que acabou por morrer aos 30 anos, corria o ano 1976. Com a morte do filho, Adelaide começou a definhar, aos cuidados de uma sobrinha. Enquanto Lúcio tratava de negócios no Brasil.

Rosalina, que ficou viúva aos 19 anos, foi trabalhar com Lúcio a pedido do ex-marido dela. Foi no Brasil que a relação de ambos se fomentou. Ela acompanhava-o a vários eventos sociais e tratou dele, num apartamento que ele lhe ofereceu, até à sua morte.

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Rosalina Ribeiro cuidou de Lúcio até à sua morte

Já debilitado e consciente das azedas relações entre a filha Olímpia e a amante Rosalina, Lúcio fez um testamento, em 2000. E fez questão que este fosse certificado por psicólogos que atestavam as suas capacidades. Da sua fortuna, que só nas contas suíças equivalia a 34 milhões de euros, seria dividida, como a lei estipula, entre a mulher Adelaide e a filha Olímpia. Do valor de que podia dispor, em testamento, definiu 5% para a sobrinha que sempre cuidou da mulher, 15% para a secretária e amante, Rosalina, que cuidou dele antes de morrer, e 80 % para a futura Fundação Família Tomé Feteira.

Rosalina tentou no Brasil ser considerada companheira de Lúcio para poder receber a parte da sua fortuna que, em Portugal, era destinada à sua mulher. Com essa decisão do tribunal brasileiro, conseguiria anular a deixa testamentária em Portugal. Por cá, Olímpia sempre tentou retirar Rosalina do testamento. Até tentou que ela devolvesse os 28 milhões de euros alegadamente retirados das contas do falecido, em troca de desistir do processo. Uma proposta inviabilizada pela defesa de Rosalina, a cargo do ex-deputado Duarte Lima.

O processo de herança de Lúcio Feteira continua por resolver. E o do homicídio de Rosalina também.

 

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