Vinte anos. Épocas e épocas, umas atrás de outras, a tentar e a não conseguir. B, C ou D, não importava. O problema do Pescara era com a primeira letra do alfabeto. Série A, era aqui, à primeira liga italiana, que o clube não conseguia chegar desde 1992. Já se contavam duas décadas, portanto, tanta espera obrigava a apostar forte. E a primeira jogada foi quase um all-in — contratou-se o checo Zdenek Zeman para treinar mais uma tentativa de devolver o clube ao topo.
O checo, o treinador que tantos anos em Itália já tornaram transalpino. O tal que, de troféus, niente, mas de reputação estava cheio por pegar em equipas e as transformar em fábricas de produção em massa de golos. Estamos em 2012 e, com o técnico escolhido, faltava montar a equipa. Um dia, a direção do Pescara bateu à porta do gabinete de Zeman e apareceu-lhe com uma surpresa. Apresentou-lhe um avançado. Jovem (21 anos), loiro e emprestado pela Juventus. “Como podes jogar a avançado se tens esse nome?”, perguntou-lhe Zeman, enquanto, na mão, segurava um cigarro.
Não era nome, mas antes um apelido. Ao ouvir a questão, Ciro Immobille respondeu que, por acaso, tudo fazia para não estar imóvel. “Digamos que sou precisamente o contrário”, diria, mais tarde, ao Il Corriere della Serra. O resto veio sob a batuta do (a princípio) desconfiado Zeman. “Gosto de atacar os espaços, mexer-me muito e cortar a defesa. Tudo coisas que aprendi com Zeman”, confirmou Immobile, quando já longe estava de Pescara.
Enquanto lá esteve, porém, não parou de encher a barriga. Foram golos atrás de golos: 28 em 31 jogos. Ou seja, cerca de 31% dos 90 com que a equipa escalou até ao topo da Série B e garantiu o regresso à liga predileta de Itália. Grande Immobile. È vero. Na época seguinte, saltou para o Génova, a troco de 4,5 milhões de euros pagos à Juventus — clube onde, em 2009, até se tinha estreado na Liga dos Campeões. Por lá, marcou apenas três golos.
Tanta promessa para nada? Não. No início desta época, o Torino apostou nele. Immobile voltou a Turim, alugou uma casa a Giorgio Chiellini, defesa da Juventus — “Se um cano rebentar, chamo-o a ele”, chegou a brincar –, e marcou 22 golos na Série A, terminando a temporada como o artilheiro do campeonato. E, para ele, tudo começou no Pescara.
Os três da vida atacante
Mas não foi o único — nesta equipa havia mais três primaveras (apelido com que os italianos batizam os jovens) que seguraram nas rédeas do Pescara e que em 2014 estiveram com a Itália no Mundial do Brasil.
Um deles foi Lorenzo Insigne. Baixote — com dois centímetros a menos que Diego Maradona e seis aquém de Lionel Messi –, tatuado e ziguezagueador, o avançado, então com 19 anos, aterrou no Pescara por empréstimo. Era o terceiro ano consecutivo em que a falta de espaço o obrigava a fugir de Nápoles. E Zeman esfregava as mãos de contentamento. Outra vez. Na época anterior já contara com os seus 19 golos no Foggia e, agora, podia continuar a lapidar o talento preso em 1,63m de altura.
E fê-lo mesmo. Ui, se fez. Encostou Lorenzo à esquerda, deu-lhe ordens para ser um avançado mascarado de extremos e, finda a época, Insigne tinha 20 golos colados ao nome. “Num um contra um e na preparação do remate, o Insigne é dos melhores que já vi”, disse Zeman, dois anos depois, quando o pequenote foi convocado para se meter num avião e só desembarcar no Brasil.
Aqui, Insigne já não enganava niguém. Era craque, ponto. Nada de sobrancelhas erguidas, como tantas vezes acontecera no início da caminhada de Insigne. O presidente do Olimpia Sant Arpino, quando Lorenzo apareceu para experimentar um treino, foi pronto a dizer que até a bola era mais alta que ele. Os amigos insistiram e o pequenote lá treino. Ao fim de cinco minutos, o tal presidente questionava: “Onde foram buscar este anão?” Anos depois, em 2006, o Nápoles caçava-o.
Verratti e a herança de pirlo
Em 2012, seduzido por Zdenek Zeman, chegou o tal empréstimo ao Pescara. Ele e Ciro Immobile, portanto, foram os dois imigrantes temporários da equipa. Por lá, contudo, já andava outro recém-adulto — Marco Verratti. Talvez o mais importante e, para o justificar, basta dizer por onde ele anda hoje e com quem o compararam: está no PSG, o milionário, e vêem nele um projeto de futuro Andrea Pirlo. Yup, o tal que, aos 36 anos, ainda consegue dominar um golo com os passes que saem das suas botas.
Com 16 anos já estava entre os graúdos do Pescara. Ali, também pequenote, atrás dos avançados. E aqui começam as semelhanças com o barbudo Pirlo — que se retirou da seleção italiano após a eliminação do Mundial. Ao início, Verratti era um número 10. Pirlo, idem. Em 2001, o hoje barbudo italiano estava no Inter de Milão. Foi emprestado ao Brescia.
E, por lá, Carlo Mazzone (um dos treinadores a quem Pep Guardiola foi pedir conselhos antes de chegar ao Barça, em 2008) decidiu reinventá-lo. Pegou em Andrea Pirlo e plantou-o à frente da defesa, como médio solitário por quem a bola tinha sempre que passar. Não estava ali para defender, mas para reger. Il regista. O nome ficou, a posição também e, hoje, o italiano é conhecido como o percursor de uma linhagem de médios mais preocupado em passar a bola do que em roubá-la
Quando Zeman chegou ao Pescara, fez o mesmo com Marco Verratti. “Na pré-época ainda tivémos uns problemas. Ele não estava bem fisicamente, mas quando melhorou e aprendeu a cerrar os dentes, o resto veio por si próprio”, recordou o treinador, antes de resumir que Verratti “sabe jogar futebol”. Simples? O jogador ainda o fez parecer mais. Fez 38 jogos, reclamou a bola para si e passou-a para todo o lado.
E no Mundial?
No final da tal época de alta cilindra, o Pescara terminou com mais 33 golos marcados que o segundo classificado. O clube saltou para a Série A e cada um dos primaveras retornou a casa. Immobile desiludiu no Génova antes de se converter no melhor marcador italiano esta época, no Torino. Já Insigne, no Nápoles, tem encantado tudo e já é o princípe de uma cidade que, em tempos verenou Diego Maradona (o antigo craque jogou no clube entre 1984 e 1991).
Verratti, esse, foi logo pré-convocado por Cesare Prandelli, seleccionador italiano, para o Europeu de 2012. “Até pensei que fosse uma brincadeira. Ainda hoje não acredito que aconteceu”, confessou, ao recordar o espanto que uma nação também sentiu quando viu um nome desconhecido entre craques adultos. Um mês depois, estava a chegar ao Paris Saint-Germain.
Ao milionário e gastador PSG, novo brinquedo de um magnata qatari. “Ao contrário dos outros campeões que jogam aqui, eu sou um bocado desconhecido”, dizia, ao início da aventura. Com duas épocas cumpridas em França, hoje Verratti já é o patrão de palmo e meio que controla o que a equipa faz com a bola. Continua, porém, teimoso por arriscar em demasia quando tem a bola nos pés. “Quando me trocou de posição, o Zeman disse-me que, se desse menos toques de calcanhar, tudo iria correr bem”, admitiu, ao falar dos tempos de Pescara.
Tão bem que ele, Insigne e Immobile embarcaram na aventura italiana na Copa do Brasil. “Ainda falo com eles de vez em quando. Fiquei muito feliz pelos meus meninos, senti uma grande satisfação e vou torcer por eles”, congratulou Zdenek Zeman, quando reagiu à chamados dos três bambini. Durante o Mundial, contudo, pouco terá aplaudido — juntos, os três aprendizes do Pescara somaram 335 minutos na Copa.
Ciro Immobile (73’ contra a Inglaterra e 71’ frente ao Uruguai) e Marco Verratti (57’ e 75’ nos mesmos jogos) até foram titulares por uma e duas vezes, mas Lorenzo Insigne apenas se viu nos últimos 31 minutos do Itália-Costa Rica. É pouco? Sim. Mas foram tramados pelas circunstâncias. No lugar predileto de Verratti estava Pirlo, e pronto. Insigne foi tramado pela tática sem extremos que Prandelli desenhou para o Mundial. E Immobile, mesmo sendo o goleador italiano da época, perdeu em notoriedade para Mario Balotelli.
Deram pouco nas vistas, sim. Mas, a continuarem assim, 2018 será deles. Ou até já 2016, no Europeu. “Eles deram-me muito, espero que lhes tenha dado também alguma coisa”, revelou Zdenek Zeman. Com certeza que sim. Deu-lhes um futuro que já começaram a desembrulhar.