A Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM), que faz a supervisão e regulação do mercado de capitais detectou “indícios de abuso de informação privilegiada” e possíveis “crimes de abuso de confiança” em entidades do Grupo Espírito Santo. Casos que a CMVM enviou para o Ministério Público para investigação criminal, anunciou Carlos Tavares na manhã desta quinta-feira, numa audição sobre o caso Grupo Espírito Santo (GES) no Parlamento.
Nos últimos anos foram realizadas, segundo Carlos Tavares, 24 acções de supervisão sobre o GES, tendo havido alguns casos em que se tiveram de corrigir algumas situações. O presidente da entidade não quis, porém, especificar quais.
Carlos Tavares, revelou, também, que o supervisor sofreu “as maiores pressões” por parte dos assessores financeiros para acelerar a aprovação do prospeto do aumento de capital do Banco Espírito Santo (BES) realizado em junho de 2014. “A CMVM teve as maiores pressões, nomeadamente, por parte dos assessores que trabalharam na operação, para aprovar o prospeto o mais rápido possível”, adiantou o responsável numa comissão parlamentar dedicada à situação no Grupo Espírito Santo (GES), do qual o Banco Espírito Santo (BES) é o principal ativo.
Prospeto do aumento de capital do BES, cuja publicação foi considerada um “momento crítico” pelo líder do supervisor, foi “publicado mais tarde do que era suposto”.
“Foi-nos dito que, caso contrário, haveria centenas de milhares ou mesmo milhões de euros de prejuízo”, sublinhou, assegurando que “a CMVM não aceitou as pressões”. Daí, o prospeto do aumento de capital do BES, cuja publicação foi considerada um “momento crítico” pelo líder do supervisor, ter sido “publicado mais tarde do que era suposto”, contando com 35 páginas dedicadas à enumeração dos riscos associados às várias entidades do GES a que o banco então liderado por Ricardo Salgado está exposto.
“Pela primeira vez constava informação sobre os acionistas do banco”, assinalou Carlos Tavares, explicando que o supervisor considerou que “aquilo que fosse importante e grave para um acionista do banco, era importante para o próprio banco e para o preço das suas ações”. O presidente da CMVM disse que este pode ser considerado um “caso de escola”, já que, apesar de os inúmeros riscos relacionados com o investimento nas ações disponíveis no âmbito do aumento de capital estarem elencados, “a operação foi subscrita na totalidade”.
“A CMVM só tem que aprovar um prospeto. Não pode impedir um aumento de capital deliberado pelos acionistas”, realçou, acrescentando que o supervisor só pode “obrigar a publicar tudo” o que sabe “que existe” sobre a entidade em causa. Os vários riscos enumerados no prospeto do aumento de capital do BES foram identificados “muito graças” à colaboração da CMVM com a sua congénere luxemburguesa, sublinhou.
A divulgação dos resultados do primeiro semestre do BES e a publicação do trabalho dos auditores do banco, devem ‘trazer a lume’ mais informação relevante.
Carlos Tavares afirmou que há mais informação relevante sobre o BES que só deverá ser conhecida por altura da apresentação das contas semestrais da entidade, que serão divulgadas a 30 de julho. “Penso que haverá mais informação relevante para além desta que está atualmente no mercado”, afirmou o líder do supervisor. Segundo Carlos Tavares, a divulgação dos resultados do primeiro semestre do BES e a publicação do trabalho dos auditores do banco, devem ‘trazer a lume’ essa informação relevante a que se referiu.
O líder da CMVM revelou que a entidade a que preside procedeu a troca de informações com o Banco de Portugal e com o Instituto de Seguros de Portugal, mas que os supervisores só podem trocar as informações de que dispõem, acrescentando que só após a auditoria ordenada pelo banco central é que foram expostos factos que não eram conhecidos até aí. Carlos Tavares referia-se ao trabalho da KPMG que colocou a descoberto a ocultação de passivos e sobrevalorização de ativos na Espírito ato International e que mostrou encontrar-se a holding do GES, no final de 2013, em situação financeira grave, escondida através da prática de irregularidades contabilísticas.
Carlos Tavares manifestou, também, a esperança de que o BES venha a honrar os compromissos decorrentes do facto de ter colocado papel comercial de empresas do Grupo junto de clientes. Foram, em muitos casos, compromissos assumidos com “base na palavra”, mas espero que o BES os honre. O presidente da CMVM revelou-se convicto de que muitos clientes estavam convencidos, ao subscreverem aqueles instrumentos de dívida emitidos pela Espírito Santo International (ESI) e pela RioForte, de terem constituído um depósito tradicional, sem consciência dos riscos que estavam a correr.
“Quando comecei a trabalhar na banca, em 1980, era impensável um banco enganar os clientes”, declarou Carlos Tavares.
Sobre esta prática do BES, o presidente da CMVM afirmou que “não há leis, nem regulamentos que substituam a ética” e que muitos responsáveis de agências não terão tido a consciência daquilo que estavam a vender. “Quando comecei a trabalhar na banca, em 1980, era impensável um banco enganar os clientes”, declarou Carlos Tavares perante os deputados.
O líder da CMVM afirmou que, no seu entender, em cargos de liderança nos bancos, não deve prevalecer o princípio da presunção de inocência. “Há quem defenda que se deve respeitar o princípio da presunção de inocência nestes casos mas, e o que vou dizer pode chocar os defensores dos direitos humanos, numa instituição financeira, as pessoas têm que estar acima de qualquer suspeita“, afirmou o responsável.
A manutenção da suspensão da cotação na bolsa de Lisboa das ações da Espírito Santo Financial Group (ESFG) foi outro tema abordado pelo presidente da CMVM. Carlos Tavares afirmou que a legislação impõe uma limitação de dez dias, mas que que o regresso da holding à negociação no mercado só vai acontecer quando for elevada informação adicional sobre a situação da empresa e a exposição aos problemas financeiros do GES.
Carlos Tavares lamentou que as reduções salariais não tenham sido aplicadas de maneira “uniforme” e alertou que “uma supervisão barata sai cara”.
As medidas de austeridade que atingiram a CMVM nos anos mais recentes suscitaram críticas do líder da entidade reguladora do mercado de capitais português. Carlos Tavares referiu que “aquilo que se tem passado nos últimos anos não em contribuído para fortalecer a supervisão em Portugal”, disse, acrescentando que a CMVM “perdeu quadros”, quando “precisa de técnicos que saibam pelo menos tanto quanto os supervisionados”.
O ex-ministro da Economia afirmou que há quadros que se queixam e decidem procurar outras soluções profissionais sob o argumento de que, com os cortes salariais, terem passado a ganhar menos do que quando foram contratados pelo regulador. Numa alusão às exceções no Banco de Portugal, Carlos Tavares lamentou que as reduções salariais não tenham sido aplicadas de maneira “uniforme” e alertou que “uma supervisão barata sai cara”. Outro problema enfrentado pelas entidades supervisoras, referiu o presidente da CMVM, está no facto de as coimas terem valores baixos, além de que os supervisionados podem adiar o seu pagamento através de “expedientes dilatórios” por prazos que podem chegar a dez anos.