Pedro Passos Coelho tentou convencer os juízes do Tribunal Constitucional (TC) que apesar de Portugal ter saído do plano de ajustamento da troika, continua a ter obrigações de metas orçamentais impostas por Bruxelas e que, por isso, a interpretação da Constituição da República deveria “ser feita de modo a minimizar o mais possível os riscos de conflito” com as normas vindas da União Europeia (UE). Mais, lembrou que as recomendações do Conselho da UE, que apontaram a necessidade de redução da despesa do país, são atos jurídicos. O TC respondeu em forma de chumbo dizendo que os seus parâmetros são os mesmos do Direito Europeu, mas não elaborando muito sobre o Tratado Orçamental.
Juntamente com as leis da Contribuição de Sustentabilidade e dos cortes nos salários, seguiu para o Ratton uma nota técnica do Governo – que este disponibilizou agora no seu site -, que avisava os juízes das repercussões que o chumbo destas medidas teriam nas obrigações que o país tem vindo a assumir com a União Europeia, especialmente no que diz respeito às Recomendações do Conselho da UE de 2013 e 2014 e ao Tratado Orçamental.
Nestes dois anos, estas recomendações apontaram a necessidade de “reduções suplementares da massa salarial” e “um controlo rigoroso das despesas da administração central, regional e local” para o país atingir em 2015 um défice de 2,5%. Com esta meta em mente, o TC já disse, em acórdãos passados, que a estratégia para a atingir é uma decisão interna de cada Estado-membro e que, por isso, não devia incidir sobre as pensões ou sobre os funcionários públicos, sugerindo antes que isso devia ser feito aumentando impostos.
Nesta nota técnica, o Governo explica que Portugal está vinculado à diminuição da despesa pública, sublinhando mesmo que as Recomendações “não são desprovidas de efeitos jurídicos”, dando exemplos em que que o Tribunal de Justiça Europeu deu valor jurídico a estas indicações.
“É legítimo considerarmos que estamos perante Recomendações dotadas de vinculatividade jurídica para os Estados-membros a quem estas se dirigem. Essas Recomendações como que completam, em substância, Regulamentos europeus que são inequivocamente dotados de caráter vinculativo”, conclui o Governo.
Para reforçar esta posição, o Governo lembrou que não cumprir as metas e não adotar medidas previstas nestas recomendações implica a aplicação de sanções para esse Estado-membro. No entanto, não foi este o entendimento do Tribunal Constitucional que alegou no acórdão sobre os cortes dos salários que cada Estado é livre de decidir onde e como corta na despesa, dando apenas abertura para justificar os cortes até 2015 com o procedimento de défice excessivo. “A vinculatividade do Direito da União Europeia neste domínio não abrange os meios que os Estados-membros utilizam para atingir os objetivos ou metas que lhes são impostos”, escreveu o juiz João Caupers, relator deste acórdão, sem se pronunciar sobre o Tratado Orçamental, o qual impõe metas para os anos seguintes.
Sobre o Tratado Orçamental, o Governo escreve que trata-se de um “tratado inter-governamental que está intimamente relacionado com o Direito da UE, em particular ao estabelecer obrigações que são depois vertidas em atos da UE”. A nota lembra que o Tratado, subscrito também pelo PS, “estabelece um conjunto de regras de equilíbrio orçamental e prevê apertados mecanismos de fiscalização e correção”.
A Constituição e o Direito Europeu em rota de colisão
Na nota enviado ao Tribunal Constitucional, o Governo disse não querer começar um debate sobre o “primado absoluto” do Direito Europeu face à Constituição ou vice-versa – até porque diz que não há “uma resposta clara” para isso -, afirmando que sobre as medidas em análise é “suficiente e preferível […] assumir-se apenas que a interpretação da Constituição da República Portuguesa deve ser feita de modo a minimizar o mais possível os riscos de conflito entre esta e o Direito da UE“.
Uma assunção que não encontrou resposta positiva no Ratton. No acórdão, os juízes que “não há sequer divergência entre o Direito da União Europeia e o Direito Constitucional Português” sobre os princípios genéricos que protegem os seus cidadãos. “Os princípios constitucionais da igualdade, da proporcionalidade e da proteção da confiança, que têm servido de parâmetro ao Tribunal Constitucional para aferir da constitucionalidade das normas nacionais […], fazem parte do núcleo duro do Estado de direito, integrando o património jurídico comum europeu, a que a União também está vinculada”, escreveu Caupers.
Mesmo afirmando na sua nota técnica que não queria entrar neste debate, o Executivo defende a vinculação do país às recomendações comunitárias ao citar a juíza do TC Ana Maria Gurra Martins que, no seu livro “Curso de Direito Constitucional da União Europeia”, escreve que “o Estado português quando ratificou o Tratado de adesão, se comprometeu a cumprir o primado do direito comunitário”. Ana Guerra Martins votou favoravelmente a manutenção dos cortes em 2014 e 2015 e rejeitou os cortes nos anos seguintes.