Lopetegui tinha cinco anos. Acabadinhos de fazer. Era uma criança, talvez ainda a habituar a fala ao castelhano e ao basco, em Asteasu, aldeia perdida no norte de Espanha. Isto em 1971, quando, a umas boas centenas de quilómetros dali, uns 11 homens vestidos de azul e branco tinham um desgosto: perdiam. À custa de uns franceses, vindos de Nantes, por 2-0. Foi aí, a setembro desse ano, que o FC Porto tirou o único exemplar podre de uma caixa com uma dúzia de ovos.

Descodificando: em 1971, a tal visita do Nantes ao Dragão dera aos portistas a única derrota em 12 jogos caseiros que fez contra equipas francesas. Há mais de 40 anos, portanto. Nem Julen, a então versão infantil do futuro Lopetegui, guarda-redes do Barça, se lembrará desta partida. E muito menos os 11 homens que espalhou no relvado, frente a Lille. Esses não se lembrarão, com certeza.

E mostraram-no. Como? A acelerar, a pressionar, manter o motor do jogo portistas em alta rotação. A “jogar no limite” e a quererem “ser protagonistas”, como delineara Lopetegui. Até à meia-hora, foram-no mesmo. Foi Óliver Torres, o pequeno genial, de 19 anos, encostado à esquerda e com um íman no pé direito. Foi Rúben Neves, o precoce médio de 17 anos que, logo aos 6’, rematou por cima uma bola que, dentro da área, fora programada para lhe chegar ao pé direito, num canto combinado. E foi-o também Herrera, o mexicano que, aos 15’, rematou duas vezes para Enyeama, do Lille, defender.

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Brahimi, pelo meio, humilhava adversários tendo a finta como arma pronta a disparar. Casemiro era o filtro de passes à frente da defesa e os franceses pouco respiravam no seu meio campo, quando conseguiam avariar as trocas de bola dos dragões. Mas lá está, isto viu-se quase até aos 28 minutos — melhor, até Rúben Neves, perto da área portista, perder a bola para Gueye que, dentro da área, já estaria a pensar para que lado de Fabiano iria rematar quando, do nada, Maicon se esticou pela relva e conseguiu desviar a bola do alcance do gaulês. O erro foi sentido.

A partir daqui, o Lille foi mais atrevido. E o Porto mais reminiscente — ou, como diria o dicionário, mais “lembrança vaga” ou “quase apagada”. De repente, pareceu que todos sabiam o que tinha acontecido em 1971, frente ao Nantes. Aos 32’, Gueye remataria outra vez, Roux cabecearia ao lado da baliza de Fabiano, aos 39’ e, no mesmo minuto (isto por azar), Alex Sandro saía lesionado.

O intervalo trazia o tempo para apagar esta lembrança. Aos 48’, Yacine Brahimi foi o primeiro a pegar na borracha. E logo ele, um argelino meio francês — internacional pelas seleções gaulesas entre os sub-16 e os sub-21 –, com jeito para bater na bola, se chegou à frente para marcar o livre direto que daria o 1-0 do alívio aos dragões. Vincent Enyeama nem se mexeu. Corrida, pontapé e golo.

De repente, o Lille precisava de dois golos. Os mesmos que o Nantes marcara há 43 anos. Aos 50’, um remate de Divock Origi quase conseguia um e, aos 53’, um livre disparado por Corchia obrigou Fabiano a defender na relva. Dez minutos passados e Rúben Neves apanhava com a segunda chuva de aplausos do Dragão — o menino já fora substituído na primeira jornada da liga.

Para o seu lugar entrou Evandro, o ‘10’ que Lopetegui vai preferindo a Juan Quintero e que, aos 68’, acelerou a bola com um passe, meteu-a em Brahimi e o argelino, à entrada da área, encaminhou-a para Jackson que, de primeira, rematou de pé esquerdo. Instinto, 2-0 e a porta mais entreaberta rumo à fase de grupos da Champions. O resto foi calmo, exceção feita ao minuto 82, quando Danilo atirou o corpo contra a bola rematada por Rony Lopes, dentro da área.

Ainda houve tempo para uns assobios. Eles apareceram aos 86’, quando Ricardo, o sem apelido, se preparava para substituir Casemiro, ao invés do outro Ricardo, o Quaresma, que Lopetegui só mandou levantar o banco para aquecer. E pronto, foi o tal outro Ricardo que, no final, estava em campo para celebrar a passagem da terceira equipa portuguesa à fase de grupos da Liga dos Campeões.

Feito que se repete pela quarta vez: aconteceu em 2006, 2007 e 2012. Agora, e ao contrário do do costume, o FC Porto entrou pela porta das traseiras, mas sabe que, na sexta-feira, o seu nome estará dentro de uma das 32 bolas que serão sorteadas para a ver quem joga contra quem. Era esse o objetivo. E não foi o Lille a impedi-lo de o atingir.