O Ministério da Agricultura esclareceu qual é a interpretação que faz de um decreto-lei de 1991 para estar a enviar cartas aos rendeiros da Herdade dos Machados, em Moura, a informá-los de que o contrato de arrendamento que têm desde 1980 terminará a 31 de outubro próximo. Para o Ministério, “a expressão ‘entrega para exploração’“, constante do diploma, “não corresponde à mera entrega da terra, englobando antes a situação contratual no seu todo, i.e., a atividade que, do ato instantâneo de entrega, se desenvolve.”
A explicação foi dada esta quarta-feira pelo ministério de Assunção Cristas ao grupo parlamentar do Partido Comunista, que no fim de julho inquirira o Executivo se “não considera[va] (…) que aquele preceito legal se aplica apenas à atribuição da exploração e não à manutenção” das terras, uma vez que a carta foi agora enviada a rendeiros que estão reformados há uma série de anos.
No início de agosto, o Observador já tinha dado conta do facto de os rendeiros reformados da Herdade dos Machados estarem a receber cartas que punham fim ao contrato de arrendamento precisamente pelo facto de estarem reformados. O ministério escuda-se no artigo 5º do Decreto-lei nº 158/91, para justificar a decisão. Esse ponto do diploma diz: “Não podem ser beneficiários de entrega para exploração quaisquer funcionários ou agentes do Ministério da Agricultura, Pescas e Alimentação, nem reformados, nem detentores de dívidas ao Estado.”
Só que a tutela não explica, apesar de o PCP ter questionado, porque é que só agora decidiu invocar esta situação, quando a larga maioria dos arrendatários já está reformada há alguns anos.
“As intervenções do Ministério resultam, em grande medida, da necessidade de assegurar o cumprimento da lei”, esclarece o gabinete de Cristas. Já em 2003, o Executivo de Durão Barroso quis proceder à denúncia dos contratos de arrendamento existentes naquela propriedade. Na altura, os rendeiros apelaram para o Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja, tendo-lhes sida reconhecida razão, mais tarde sublinhada por um um parecer da Procuradoria-Geral da República, de 2011. Esse parecer, diz o ministério, “foi homologado pelo Governo, constituindo interpretação oficial perante os serviços”.
No requerimento do PCP, o partido considerava que “o procedimento tem tanto de lamentável, por ter sido desenvolvido à margem dos rendeiros e sem o seu conhecimento, como de contraditório, face as promessas de sucessivos governos de garantia do arrendamento e avaliação da possibilidade de venda”. O ministério contrapõe dizendo que “o arrendatário poderá sempre adquirir a terra arrendada enquanto mantiver a qualidade de arrendatário” e recusa que o processo tenha sido escondido dos interessados.
O PCP referia também, no documento enviado ao Ministério da Agricultura, que “outro meio de ataque aos rendeiros da Herdade dos Machados tem sido a recusa na transmissão do arrendamento a descendentes ainda em vida do arrendatário”, questionando a tutela porque é que esta situação ocorria. Mas, na sua resposta, o gabinete de Assunção Cristas assegura que “o ministério continua a deferir os pedidos que se enquadram” na lei “e a indeferir os que não se enquadram nos termos legais, não existindo qualquer alteração de procedimento”.
Autarquia apoia rendeiros
A Herdade dos Machados, em Moura, foi dividida em 1980 pelo então primeiro-ministro Sá Carneiro em 338 lotes de terreno que foram distribuídos por 94 rendeiros, que passaram a pagar um valor mensal ao Estado pela exploração das terras para proveito próprio. Cinco anos antes, os terrenos haviam sido nacionalizados no âmbito da Reforma Agrária e esta foi a solução encontrada pelo Governo da AD para proceder a uma reforma “diferente da dos comunistas”.
Em resposta ao Partido Comunista, o Ministério da Agricultura afirma agora “que não é intenção do Governo proceder a alterações da legislação do arrendamento rural no âmbito da Reforma Agrária”.
Entretanto, esta quarta-feira, a Câmara Municipal de Moura, liderada por um executivo da CDU, aprovou por unanimidade uma moção “de apoio e solidariedade aos rendeiros da Herdade dos Machados”, na qual se acusa o Governo de criar “uma manobra para pilhar sem fundamento legal as terras do Estado arrendadas, manobra que ainda por cima ocorre no Ano Internacional da Agricultura Familiar, que os atuais governantes dizem apoiar…”