Há coisas, as óbvias, que basta pesquisar um pouco para as descobrir: tem 59 anos, treinou os chamados “três grandes” de Portugal, outro na Grécia, já venceu seis títulos e esteve num Europeu antes de aparecer no Mundial. Eis o raio-x básico do novo selecionador nacional. Mas Fernando Santos é mais do que isto. Qualquer treinador o é. Na quarta-feira, ao apresentar-se ao país, deu pistas que ajudam a traçar o seu perfil. E o Observador pegou nessas pistas e levou-as até dois jogadores que obedeceram às ordens do técnico.

Primeiro, a questão dos filtros. As perguntas, insistentes, não tardaram em questionar Fernando Santos sobre alguns nomes que se tornaram renegados na era-Paulo Bento. Falou-se em Danny, Ricardo Carvalho ou Bosingwa. O treinador não especificou nenhum e por mais que uma vez frisou que, para ele, “todos os jogadores contam” e são possíveis convocados. “O que interessa é o talento”, defendeu. E Luís Filipe confirma-o.

Atualmente sem clube, e com 35 anos feitos, o antigo extremo que as épocas transformaram em defesa direito realçou ao Observador uma “vertente importante” de Fernando Santos: “Não distingue.” Seja velho, novo, com muitos títulos no currículo ou com um preço de milhões, o treinador “não olha a caras para o que tem a dizer”. Palavra do jogador que, com ele no banco, no Sporting, marcou o primeiro golo na história do Estádio Alvalade XXI, em 2003/2004. E quem também lá estava? Cristiano Ronaldo.

O então miúdo era aposta de Fernando Santos. Tinha 18 anos e, nesse jogo, brilhou. Tanto que o Manchester United não quis esperar mais. Dias depois, já estava em Inglaterra — portanto, o agora selecionador foi o último homem a treinar o capitão da seleção nacional em Portugal. “Vão dar-se bem, foi com ele que despontou. Existe a cumplicidade de terem estado juntos no início do Cristiano Ronaldo”, desenhou Luís Filipe, ressalvado, contudo, que hoje estão “em contextos completamente distintos”.

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Na altura, Luís Filipe tinha 24 anos. Era a terceira época nos leões e tentava agarrar-se a um dos flancos da equipa titular. “Para mim não há bilhetes de identidade. Tanto me faz se tem 17 ou 35 anos: se tiver valor, vem”, disse o novo selecionador nacional. Assim, direto e sem papas na língua. Tal e qual como Luís Filipe o relembrou. “É uma pessoa exigente. Pode ter um ar fechado, mas é muito rigoroso nos treinos e muito frontal”, explicou.

E treinar foi, sobretudo o que Luís Filipe fez com o técnico em 2007/2008, quando Fernando Santos o chamou e o então já lateral direito foi do Sporting de Braga para o Benfica. Luís Filipe voltava a um grande. Juntos fizeram a pré-época e a primeira jornada do campeonato. Logo aí, depois de um empate, o treinador foi despedido.

Uma temporada nos leões e uns meses de convivência nos encarnados foram tempo suficiente para o antigo jogador concluir que Fernando Santos “trabalha bem”, tanto a “nível técnico como tático”. E, sobretudo, é sério.

Benfica's Luis Felipe controls the ball as he plays against Vitoria Guimaraes during their Premier League football match at Luz Stadium in Lisbon 12 March 2007. AFP PHOTO/ NICOLAS ASFOURI (Photo credit should read NICOLAS ASFOURI/AFP/Getty Images)

Luís Filipe chegou ao Benfica em 2007/2008, por ordem e vontade de Fernando Santos, mas o treinador seria despedido após a primeira jornada.

Seriedade que já transparecera ao ser apresentado na sede da Federação Portuguesa de Futebol. “Não temos que ser todos amigos. Podemos é criar uma família que tenha consciência que vai servir uma causa muito nobre — um país”, destacou o treinador. Afinal, Fernando Santos sabe do que fala. “Já trabalhou com uma seleção, o que é muito diferente”, indicou Luís Filipe, lembrando os quatro anos que o técnico passou com a Grécia. “Está muito identificado com isso, é uma escolha mais do que acertada”, aprovou.

Quando começou a comandar a seleção grega, admitiu o treinador, houve um tipo de perguntas que se repetiu agora, que chegou à equipa de Portugal — as questões sobre renovação e jogadores jovens. “Não gosto da palavra renovação. Isso pressupõe que os gajos mais velhos vão para o caixote de lixo para virem os novos. O que interessa é fazer bem e não à pressa”, chegou a argumentar. Para o último Mundial, com a Grécia, levou 17 jogadores que lançou na seleção. Mais Karagounis e Katsoranis, os graúdos com 36 e 35 anos.

“Não vai estar à espera da opinião deste ou daquele”

Prova do que o técnico disse? Talvez. “Ele muitas vezes misturava, é verdade. De vez em quando chamava-nos e lá íamos jogar no meio dos mais velhos, onde ainda estavam o Paulo e o Rui Bento, por exemplo”, contou Edgar Marcelino, recordando os tempos em que, com 19 anos, andava entre a equipa B e a principal do Sporting, em 2003/2004. “Sempre que havia um jogo-treino ou um amigável, ele ia buscar alguns dos mais novos”, lembrou ao Observador, pelo telefone que segurava em Goa, na Índia, onde aos 30 anos se prepara para uma nova aventura.

A renovação da seleção e os jovens são hoje um tema recorrente. Jornais, adeptos e colunistas, todos tocam no assunto. “Nestes últimos tempos tem havido muita pressão, de todos os lados, tudo à volta do futebol. Com os nomes que estão na seleção, não é fácil lidar com a fama e o sucesso de cada um”, defende Edgar Marcelino, que também vê em Fernando Santos uma pessoa “frontal, honesta e sincera”, que “diz aquilo que tem para dizer” — algo que, garante, “é meio caminho andado para o sucesso”.

Fernando Santos falou de um “processo natural e aberto” para a integração de jovens na seleção. Edgar Marcelino defendeu que o treinador não cederá a quaisquer pressões externas. “Ele, mais do que ninguém, não vai estar à espera da opinião deste ou daquele. Seja novo ou velho, vai apostar no jogador que pensa que pode dar mais”, revelou, antes de lamentar que, hoje em dia, os jovens “não têm oportunidade de jogarem em clubes grandes”.

E o exemplo que dá é o da sua geração. Uma que tem Ronaldo, Ricardo Quaresma, Tiago, ou Custódio. “Na minha altura, entre os 20 e 23 anos, eu olhava e via montes de companheiros a jogarem em clubes grandes”, sublinhou, lembrando que “era um de muitos”. Hoje, lamenta, “a oportunidade é dada a alguns porque os clubes não têm dinheiro para irem buscar outros jogadores”. Talvez. Mas Fernando Santos ficará de olho nos que as vão tendo.