Sem reencarnação nem sucessor. Esta é uma hipótese para Tenzin Gyatso, o 14.º Dalai Lama, que poderá contribuir para o fim de uma tradição com cinco séculos, conta o El País. Pequim, que almeja nomear o 15.º líder espiritual do budismo tibetano, não gostou do que ouviu.

“O budismo tibetano não depende só de um indivíduo. Temos uma organização muito boa, com monges e académicos muito capazes”, disse, em declarações ao semanário alemão Welt am Sonntag. No passado, Dalai Lama já havia sugerido que os tibetanos pudessem eleger o seu líder espiritual. Ou então, que seja ele próprio a escolher o sucessor. É que a tradição desta religião recorre a um meticuloso processo de seleção para a sucessão após morte do Dalai Lama.

Visões, sonhos, pressentimentos. Esta é a primeira triagem para escolher os candidatos que nasceram no período da morte do líder espiritual. A criança que reconhecer os objetos que pertenciam ao anterior Dalai Lama, como que se tivesse vivido numa vida anterior, é nomeado sucessor. Segue-se então um processo duro e rigoroso de formação académica e religiosa.

“Pode querer pôr fim à maneira tradicional de eleger o líder espiritual tibetano”, começou por dizer Jean-Pierre Cabestan, um professor da Universidade Batista de Hong Kong, ao El País. “No fim de contas, a instituição do Dalai Lama não é muito antiga e pode ser substituída por qualquer outra. Ele pode querer preparar a transferência de poder político a um líder secular e representativo. De facto, já começou este processo quando renunciou aos poderes políticos e os transferiu a um primeiro-ministro eleito em Dharamsala.” Tenzin Gyatso renunciou ao poder político em 2011.

Após a morte do 13.º Dalai Lama, Gyatzo foi sinalizado por visões ocorridas em 1937. Com apenas dois anos, nascido no seio de uma família humilde de Amdo, reconheceu e identificou corretamente os objetos daquele que seria o seu antecessor — a taça de beber e o rosário. Em 1959, os protestos que liderou contras as tropas chinesas não obtiveram sucesso e, disfarçado de mendigo, foi obrigado a fugir para Dharamsala, na Índia, onde mora desde então.

Quem não gostou nada desta ideia foi o governo chinês, que vê no líder religioso uma espécie de “lobo com pele de cordeiro”, cuja ação fomenta o separatismo tibetano. Dalai Lama reclama mais autonomia para o povo daquele país e mais respeito pelas tradições culturais. O atual líder espiritual parece preferir o nada ao tudo, já que uma nomeação por parte de Pequim dificilmente teria o reconhecimento dos seguidores do budismo. “Se viesse um Dalai Lama débil, seria uma desgraça para a instituição”, reconheceu Tenzin Gyatso na entrevista.

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