“A minha história é uma história europeia”, foi assim que Carlos Moedas se apresentou na comissão de Indústria, Investigação e Energia durante a audição que vai decidir se o português é confirmado como comissário. Sem se comprometer com medidas específicas para os próximos cinco anos da ciência na União Europeia, a maior parte das questões dos eurodeputados focaram-se na energia e nos apoios às pequenas e médias empresas, enquanto o confronto políticos ficou para os portugueses. João Ferreira, do PCP, e Marisa Matias, do BE, confrontaram Moedas com o seu passado, levando a que o antigo secretário de Estado Adjunto, peça vital nas negociações com a troika, dissesse em Bruxelas que discordou muitas vezes com a atuação da Comissão, do BCE e FMI na resolução da crise portuguesa.

Após a audição desta manhã, Carlos Moedas foi aprovado pelos coordenadores da Comissão de Indústria, Investigação e Energia do Parlamento Europeu. Tal como Joao Ferreira já tinha avançado, a Esquerda Unida foi o único grupo que votou contra esta aprovação. Carlos Moedas terá “impressionado” na sua audição, segundo apurou o Observador, e é assim mais nome aprovado na nova comissão de Juncker. As audições terminam a 7 de outubro.

O português foi para a audição para impressionar. E terá conseguido. Falou perfeitamente em inglês, francês e espanhol respondendo nestas línguas consoante a nacionalidade do eurodeputado que o questionava. Recusou responder a um eurodeputado eurocético – “Eu não tenho resposta para si, eu acredito na Europa e quero que os meus filhos cresçam na Europa” – e disse a um eurodeputado do UKIP que “a investigação adiciona valor à Europa” quando este perguntou sobre o investimento em space crap – ou porcarias do espaço, em tradução literal. Estas duas intervenções de Moedas mereceram ovações por parte dos presentes, num Parlamento fragmentado pelo recente reforço dos eurocéticos nas últimas eleições.

A sua apresentação, como um homem vindo de Beja, “uma cidade onde as famílias passavam dificuldades consideráveis”, o “sonho dos pais” em enviarem Moedas para a universidade e a sua experiência como um dos primeiros portugueses a fazer Erasmus – “um momento definitivo da minha vida” – também pareceram funcionar, já que esta experiência foi relevada pelo presidente da comissão Jerzy Buzek. “É uma grande notícia para os eurodeputados ter um nomeado a comissário que fez Erasmus, já que foi nesta comissão que se preparou e se tem acompanhado este programa”, disse Buzek em conferência de imprensa.

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Sem atacar assuntos específicos ou fazer promessas, mas mostrando algum conhecimento dos programas em vigor na União Europeia nos campos da Investigação e Ciência, Moedas diz querer utilizar para além do Horizonte 2020 – um orçamento específico para estes temas – os fundos estruturais para aumentar as capacidades de inovação na Europa. Um dos seus únicos compromissos foi avançar com o projeto de uma União Europeia da Inovação, que envolveria empresas e Estados na cooperação e troca de conhecimento. O português teve também o cuidado de mencionar a importância de garantir a igualdade de género na ciência – tendo em conta a polémica que envolveu a comissão Juncker e a falta de mulheres comissárias.

Os ataques vindos de Portugal

Os três eurodeputados portugueses nesta comissão, Carlos Zorrinho do PS, João Ferreira do PCP e Marisa Matias do BE (Ferreira e Matias são suplentes) questionaram o comissário e promoveram as perguntas mais acesas. Zorrinho, que já foi secretário de Estado da Energia e Inovação, quis o compromisso por parte de Moedas que não haveria redução dos 80 mil milhões de euros previstos para a Investigação na Europa até 2020, assim como a aposta na energia verde. Moedas disse que partilhou da sua mensagem quando Zorrinho estava no Governo, mas mais não adiantou. “Assistimos a uma audição em que o comissário manifestou que estava bem preparado e teve uma prestação positiva. Mas quando for comissário, Juncker vai ligar de manhã a dizer ‘investe, investe’ e Passos Coelho que faz parte do Conselho Europeu vai dizer ‘corta, corta’. Se apostar em investir vai ter o apoio dos socialistas”, assegurou Zorrinho.

Já Marisa Matias, uma das maiores impulsionadoras do alargamento dos fundos do Horizonte 2020, disse não perceber como é que o seu currículo em Portugal pode parecer “um bom cartão de visita”. Acusou o ex-secretário de Estado de contribuir para a austeridade no país e de ter “asfixiado” a investigação em Portugal. “Não temos dúvidas que Carlos Moedas é uma pessoa capaz de implementar, nem de que é orientado para resultados. Mas aí reside o problema, já que é incompatível ter uma investigação melhor como ele promete e querer uma investigação orientada para o mercado, porque isso destrói as humanidades e o percurso de muitos investigadores”, disse depois a eurodeputada aos jornalistas.

Na resposta a Matias, Moedas foi mais combativo e disse conhecer as dificuldades dos portugueses de perto, afirmando que esteve muitas vezes em “desacordo com a troika”, louvando o relatório do Parlamento Europeu sobre a ação da troika nos países intervencionados. Daqui para a frente, o português diz esperar que as soluções para novas crises residam “instrumentos unicamente europeus”, num ataque direto ao FMI, e que haja “maior transparência democrática” no processo.

O último português a questionar o comissário indigitado foi João Ferreira. “O senhor vem de um país que é há muitos anos um contribuidor líquido do programa quadro e isso é um problema da UE. Ter países com dificuldades que contribuem mais do que recebem. Isto é acrescentar ao fosso social, um fosso científica. Que propostas concretas tem para uma distribuição mais adequada?”, perguntou o eurodeputado do PCP. A resposta de Moedas não foi claramente suficiente já que a Esquerda Unida vai ser desfavorável à sua aprovação como comissário da equipa de Juncker.