O Banco Central Europeu (BCE) vai começar já nas próximas semanas a intervir nos mercados com a compra de ativos financeiros para estimular a concessão de crédito às empresas da zona euro, confirmou nesta quinta-feira Mario Draghi. O presidente do BCE admitiu que os programas de estímulo em curso poderão injetar até um bilião de euros em nova liquidez no eurossistema.

Já a partir de “meados de outubro”, o BCE vai avançar com a aquisição de títulos de dívida hipotecária (“covered bonds”), um dos instrumentos que os bancos mais utilizam para se financiarem, dando lotes de créditos hipotecários e créditos ao setor público como garantia. Ainda este ano, vai avançar-se também com a aquisição de pacotes “simples e transparentes” de dívida titularizada, isto é, títulos garantidos por empréstimos dos bancos às empresas. O objetivo é “estimular o crédito às pequenas e médias empresas” na zona euro, explicou o presidente do BCE.

A indicação foi dada por Mario Draghi na habitual conferência de imprensa mensal após a reunião do Conselho de Governadores do BCE, que desta feita se realizou na cidade italiana de Nápoles. Uma reunião que, ao contrário do que costuma acontecer em Frankfurt, começou com um atraso de cinco minutos. Após a conferência de imprensa, foi divulgado um relatório com mais detalhes sobre o plano.

Os programas estarão em curso ao longo dos próximos dois anos e, a par dos empréstimos de longo prazo que o BCE está a promover – um já aconteceu, em setembro, e outro em dezembro -, terão “um impacto significativo na dimensão do balanço do BCE”. Draghi repetiu que a intenção é fazer regressar a dimensão do balanço para o valor que tinha no início de 2012, o que significa que serão injetados na economia entre 750 mil milhões e um bilião de euros na economia, estima o BCE.

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Com estas medidas, o banco central da zona euro quer comprimir os custos de financiamento dos bancos e tornar mais atrativa a concessão de crédito não só para os bancos mas também para as empresas e famílias. Ao passar estes ativos dos balanços dos bancos para o balanço do BCE, o setor financeiro poderá ganhar margem para emprestar mais. E a juros tendencialmente mais baixos que permitam aumentar a procura por crédito.

Unanimidade para “fazer mais se for necessário”

O presidente do BCE informou também, durante a conferência de imprensa, que houve unanimidade entre os membros do Conselho de Governadores quanto ao recurso a estas medidas não-convencionais, ou seja, que fogem aos instrumentos comuns de gestão da política monetária como a definição das taxas de juro. Taxas de juro que, nesta reunião, permaneceram em 0,05% no que diz respeito à taxa de juro de referência. “Não podemos descer mais”, afirmou o italiano. O BCE vai também continuar a cobrar uma taxa de 0,2% pelos depósitos da banca nos “cofres” do banco central, outra tentativa de incentivar os bancos a emprestarem à economia e uns aos outros.

É também “unânime o compromisso para a utilização de mais medidas não-convencionais”, indicou Draghi, mantendo a porta aberta para um programa de compra generalizada de ativos no mercado, o que incluiria dívida pública. “Este compromisso foi indicado três vezes, quando em Setembro foi apenas dito uma vez”, nota Carsten Brzeski, economista do ING, em nota de reação obtida pelo Observador.

Um programa “à americana” de expansão monetária seria uma medida inédita e a tentativa mais audaz para garantir que a inflação se aproxima da meta do BCE. Uma meta da qual se tem afastado sobretudo desde o início de 2013. Nos últimos 12 meses, a taxa de inflação ficou-se, em média, pelos 0,6%, mas o BCE mantém a expectativa de que as iniciativas de reforma estrutural nos vários países da zona euro, a supervisão única bancária e, agora, a bem-vinda correcção do valor do euro, façam com que a inflação se aproxime do objetivo.

Retoma “modesta, frágil e desnivelada”

Mario Draghi notou ainda que os riscos geopolíticos “podem penalizar a confiança empresarial”, numa alusão ao conflito entre a Rússia e a Ucrânia. Isto numa altura em que, nas palavras do próprio, “a retoma na zona euro é modesta, frágil e desnivelada”. Ainda assim, o italiano mostrou-se confiante de que as medidas que o BCE tem vindo a tomar “estão a chegar à economia real, ainda que a uma velocidade dolorosamente baixa”.

O responsável referiu, também, que “é um risco negativo chave” a possibilidade de não serem promovidas as “reformas estruturais necessárias” em alguns países da zona euro. “É importante que a implementação de reformas acelere em alguns países”, atirou.

O responsável abordou ainda as notícias dos últimos dias de que estava a pressionar os outros governadores para adquirir títulos de bancos de países como a Grécia e Chipre, que estão sob programas de assistência externa e que têm “rating” em território “lixo”. Essas compras vão acontecer, disse Draghi, mas “sem programa de assistência não haverá compras”.