Quase sem crescimento e com uma inflação elevada, depois de um Campeonato Mundial de Futebol que foi muito criticado pela própria população e visto como um mau investimento por muitos gestores, Dilma Rousseff vai a eleições neste domingo com os maus resultados económicos a ensombrar o seu favoritismo.

A distância nas sondagens apontava para uma reeleição sem grandes complicações para a atual Presidente do Brasil. Dilma Rousseff estava bem destacada quando o avião de Eduardo Campos, 49 anos, caiu em São Paulo. Com a sua morte, Marina da Silva foi escolhida como a candidata pelo Partido Socialista Brasileiro, e as contas complicaram-se.

Algumas sondagens chegaram a dar valores muito próximos, e até uma derrota de Dilma Rousseff numa eventual segunda volta com Marina Silva, que tem agradado às elites do país e aos mercados com o seu apoio a teorias liberais e a legislação mais amiga dos empresários, e à esquerda devido à sua história pessoal de dificuldades e ao seu passado ambientalista.

Dilma Rousseff, para além do desgaste natural da governação e de alguns escândalos de corrupção à mistura que afetaram seu Governo, passou a ter também recentemente a economia contra si. Já se sabia que no primeiro trimestre do ano a economia brasileira tinha sofrido uma contração de 0,2% do PIB, e a previsão de crescimento para o total do ano já estava mais pessimista: apenas 1%. Mas no final de agosto as notícias ficaram piores. A cinco semanas das eleições a economia brasileira entrou oficialmente em recessão.

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A queda do PIB de 0,6% no segundo trimestre só veio confirmar as previsões mais pessimistas que se vinham fazendo e a perspetiva não é boa. O banco Fibra, do Brasil, estima agora que a economia termine o ano em estagnação.

A inflação, um dos problemas da economia brasileira, está na banda mais alta do que era esperado pelo banco central, e a expectativa é que feche o ano em 7%.

E o abrandamento não parece ficar por aqui. A queda pronunciada do investimento numa era pós-mundial, em que muitos dos investimentos feitos não trarão retorno e arriscam-se a ficar como pesos mortos nas contas do Estado (caso do Estádio de Manaus, no Amazonas, de muito difícil acesso para uma utilização regular). À queda do investimento junta-se também um abrandamento da indústria e um aumento dos stocks, que é tanto resultado da falta de investimento como de consumo.

A general view shows the pitch at the Amazonia Arena in Manaus on June 13, 2014, on the eve of the 2014 FIFA World Cup football match between England and Italy.   AFP PHOTO/ GIUSEPPE CACACE

O Arena Amazónia, onde Portugal jogou o seu segundo jogo do Mundial deste ano frente aos EUA.     AFP PHOTO/ GIUSEPPE CACACE

O INVX Global, um fundo de investimento de São Paulo, considera que o modelo da economia brasileira, baseado no consumo interno, está esgotado e que algumas mudanças terão de ser feitas se o Brasil quiser voltar a recuperar o crescimento potencial que tem estado a perder.

A própria Dilma Rousseff já admitiu que a economia não está a crescer como esperava e abriu a porta a mudanças na política económica durante um eventual segundo mandato.

A favor de Dilma Rousseff nesta altura está uma taxa de desemprego que ainda é baixa. Nos primeiros três meses do ano, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, a taxa de desemprego ficou em 7,1%, abaixo dos 8% que se verificavam em igual trimestre de 2013. Por outro lado, o défice orçamental do Brasil tem vindo a aumentar, desde os 2,2% em 2012, para os 3,3% em 2013 e agora, estimava a OCDE em maio, pode crescer para 3,4%. Mas as consequências deste abrandamento já chegaram à agenda política, que quer explorar os problemas de longo prazo que estes podem trazer.

Aécio Neves, outro dos candidatos às eleições presidenciais mas pelo Partido da Social Democracia Brasileira, pelas últimas sondagens, parece estar a disputar com Marina Silva o lugar numa segunda volta contra Dilma Rousseff, colocou este ponto na agenda de forma clara: “O que me preocupar mais são os 7% de inflação e 1% de crescimento que nos deixarão caso ganhemos as eleições”, disse, citado pela BBC, comparando este mau resultado com a derrota por 7-1 da seleção brasileira de futebol contra a Alemanha, na meia-final do Mundial de Futebol.

O apoio dos brasileiros ao Governo sofreu uma queda vertiginosa com os protestos de milhões de pessoas nos meses que antecederam o mundial, contra os gastos do Governo. Os manifestantes tomaram as ruas para exigir mais e melhores serviços básicos, como escolas e hospitais, entre outros. Como exemplo do pior do investimento no Campeonato Mundial de Futebol, ficou o dito Estádio Arena Amazónia, em Manaus, na floresta amazónica.

O comediante John Oliver sobre o Mundial de 2014, aborda os protestos no Brasil contra o campeonato de futebol e o caso do Estádio Arena Amazónia.

O Estádio fica numa localização tão remota e de tão difícil acesso que os custos subiram para 300 milhões de dólares, com o material a chegar via marítima de Portugal, por exemplo. Com lugar para 45 mil pessoas, a expetativa é que esta infraestrutura só sirva cerca de mil pessoas, já que o acesso de carro é também ele bastante difícil, e as condições na região duras: 80% de humidade.

A esperança que o Mundial ressuscitasse a economia está a desaparecer e expectativa nesta altura é que os brasileiros estarão prestes a viver a ressaca depois da festa.

“Independentemente de quem ganhar [as eleições], vai ser um ano difícil, pior do que muitos estão à espera”, disse à Reuters Fernando Henrique Cardoso, Presidente do Brasil entre 1995 e 2003 e ministro das Finanças entre 1993 e 1994.

Se as projeções económicas se concretizarem, o Brasil estará prestes a juntar-se ao pequeno lote de países cuja economia piorou depois no ano em que organizaram um campeonato mundial: o México em 1986 entrou em recessão, a Itália em 1990 cresceu menos, tal como o Japão em 2002. Dilma Rousseff entrou na Presidência com uma economia a crescer 7,5% e ser vista como um bloco importante a ter em conta no futuro, e agora pode deixar o Palácio do Planalto, em Brasília, com uma economia estagnada.