É com a voz embargada que Ana Madeira conta que não é colocada há quase dois anos. Professora de português e de inglês há uma década, chegou sozinha à manifestação que encheu o Largo de Camões, em Lisboa. “Fiquei com uma colocação pior” nas novas listas que saíram na passada sexta-feira. “Não somos colocados por termos qualificações, somos colocados por sermos números”.

Já tirou cursos e trabalhou nos Estados Unidos, Canadá e Inglaterra, mas optou sempre por regressar a Portugal, “para tentar lutar e mudar o meu país”. Mas a desmoralização e o desencanto com a situação da educação veem-se no rosto da professora. “Em Portugal, ou se escolhe ter um trabalho, ou uma família. O meu pai lutou contra o Estado Novo e ia sendo preso pela PIDE. Nunca pensei ter de lutar contra outros Estados Novos”, conta, com um sorriso triste.

Faltavam vinte minutos para as 16h00 quando as primeiras bandeiras começaram a chegar ao Largo de Camões. Do norte a sul do país, milhares de professores chamaram a atenção dos turistas e de quem passava no Chiado, pelas cores das bandeiras sindicais e pelas palavras de ordem gritadas a plenos pulmões. “Crato rua, a escola não é tua”, “É preciso, é urgente uma política diferente”, “Educação é um direito, sem ela nada feito”, intervaladas com gritos de “Demissão! Demissão!”.

Enquanto Mário Nogueira, secretário-geral da Federação Nacional de Professores (Fenprof), discursava, alguns professores descansavam, apoiados nas bandeiras. Outros procuravam um lugar para tentar fugir ao sol. Houve ainda quem, já na sombra, aproveitasse a pausa para fumar um cigarro e trocar dois dedos de conversa com os colegas.

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“Gostava de saber onde é que anda a malta mais nova, a malta que ficou mesmo lixada com estas listas”, diz um professor que segura uma bandeira do Sindicato dos Professores do Norte. “A malta mais nova tem medo. Como as entrevistas são presenciais, têm medo de vir e de serem vistos”, responde uma colega, entre duas passas de um cigarro. Então e os que estão desempregados há mais tempo? “Os desempregados têm muito que fazer ao domingo”, diz outra, com ironia, enquanto revira os olhos.

Para Cátia Ferrão, o medo está presente desde que soube que ficou colocada nas novas listas da Bolsa de Contratação de Escola. Medo “de chegar à escola amanhã [segunda-feira], de me apresentar e de haver um erro por causa dos critérios que me faça ter que voltar para casa”, explicou a professora de Educação Especial, que ficou colocada no concelho de Resende com horário completo e anual. Mas o medo de Cátia tem uma cara. “O medo vem daquilo que o Governo tem feito. Tratam a vida das pessoas como se de nada valesse”.

No grupo 910 está também Raquel Ribeiro, professora de Educação Especial desde 2003. “Foram os critérios que me fizeram não ficar colocada nas novas listas”, conta a docente, natural de Cinfães, e que tem lecionado na zona norte do país. “Fui ultrapassada por pessoas que estavam atrás de mim, pessoas que têm muito menos tempo de serviço. Tudo por causa dos critérios”, uma situação que qualifica como “ridícula”, que “não faz sentido” e que, confessa Raquel, faz com que haja momentos em que perde a força. “Adoro ser professora, faço-o por vocação, mas estou desencantada com a educação. Esta situação pode-nos fazer perder as forças a qualquer momento. Por mais que se goste, chega um ponto em que é difícil manter a força”.