As dúvidas sobre a interpretação da nova lei do Conselho de Fiscalização dos Serviços de Informação da República Portuguesa estiveram em debate esta quarta-feira na Assembleia da República, com o PSD a insistir no braço de ferro com a presidente da Assembleia. Em causa está o facto de Assunção Esteves não saber o que fazer com os registos de interesses dos fiscais e de o PSD dizer que estes são públicos.

A quezília vem desde a semana passada quando, numa carta, Assunção Esteves alertava para o facto de a lei ser omissa em dois pontos: um mais prático e logístico, sobre o local onde devem ser entregues e depositadas essas declarações, e outro, de maior importância, sobre a publicidade dos registos. Ou seja, sobre se devem ou não ser do conhecimento público. Um reparo que o PSD diz não se aplicar. “A lei é clara”, disse a deputada Teresa Leal Coelho, que defende que os documentos sejam entregues à comissão parlamentar, tornando-os assim do conhecimento público.

Durante a sessão desta manhã da comissão parlamentar dos Assuntos Constitucionais, o PSD manteve a posição já expressa na semana passada de que os registos devem ser públicos e entregues à comissão, sem precisar de nota expressa – ainda que a deputada Teresa Leal Coelho se tenha mostrado disponível para chegar a entendimento legal -, enquanto o PS empurrou novamente para a autoridade da Presidente e pediu clarificação da lei. Até lá, os socialistas dizem que a questão levantada por Assunção Esteves é “razoável” e que deve haver um balanço entre o “direito fundamental de acesso à informação e as reservas da intimidade”, e por isso pede clarificação da lei.

“Não concordo com a interpretação da presidente [que diz que a publicidade só se deve verificar nos casos em que a lei determina expressamente a divulgação pública dos registos], mas estou disponível para discutir essa questão nesta comissão e para chegarmos a um entendimento para ver se é preciso uma norma expressa para que haja publicidade”, disse a deputada social-democrata Teresa Leal Coelho, admitindo avançar para um processo legislativo para alargar o registo de interesses a todos.

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“A discussão sobre se o currículo profissional dos membros do conselho de fiscalização dos serviços de informação deve ou não ser público já é por si só perturbador, por estarmos a pôr em causa o princípio da transparência”, argumentou Teresa Leal Coelho.

E se o PSD é quem mais contesta a questão levantada pela presidente da Assembleia, dizendo que a lei é clara no sentido da divulgação dos registos na comissão parlamentar (que é pública), o PS é quem mais se recusa a fazer entendimentos “interpretativos” da lei. “As leis interpretativas são uma praga“, atirou o deputado José Magalhães durante a discussão na comissão parlamentar, sublinhando que o caminho é a clarificação no quadro legal. “É preciso estudar com muito rigor a questão do grau de especificação e do nível de transparência”, disse, ressalvando que é “adepto do máximo grau de transparência e densidade” – “mas não nos podemos guiar por uma omissão” na lei.

Já o PCP e o Bloco de Esquerda defendem que os documentos sejam públicos, mas também não se opõem a que haja uma alteração à lei no sentido de clarificar as dúvidas. O deputado comunista António Filipe, no entanto, é mais perentório. “Nunca me passou pela cabeça que houvesse outra ideia que não a da publicidade”, disse, acrescentando que “terá sido certamente essa a intenção do legislador, porque não há dúvidas de que os registos de interesses dos candidatos ao conselho de fiscalização dos serviços de informação devem ser acessíveis”.

PSD “não tem problemas” em alargar regime a todos os políticos

Sob a bandeira da transparência e de aprofundar os mecanismos democráticos, a deputada social-democrata Teresa Leal Coelho disse mesmo que o PSD “não tem qualquer problema em alargar este regime de declaração de interesses a todos os os detentores de cargos políticos”, a todos os que “mexem com a coisa pública”.

Os deputados já são obrigados por lei a tornar públicas as suas declarações de interesses, currículo e perfil, que inclui por exemplo todos os rendimentos e atividades públicas e privadas que possam ter, mas isso não pressupõe revelar dados sobre filiações, nomeadamente filiações secretas, como à maçonaria.

“Admitimos avançar para um processo legislativo para alargar o registo de interesses a todos os detentores de cargos políticos”, afirmou a deputada, que sublinhou ser “benéfico para o aprofundamento da democracia”. “A transparência é o valor proeminente da democracia, não o obscurantismo”, disse, reforçando que a restrição relativa à proteção de dados no caso dos fiscais das secretas já está expressa na lei.

Em causa está a nova lei-quadro do Sistema de Informações, que prevê que os seus membros fiscalizadores – neste caso, os deputados Paulo Mota Pinto e João Soares, assim como José António Branco – tenham de declarar todas as suas atividades públicas e privadas, remuneradas ou não, e inclusive se são filiados em organizações de natureza associativa, o que na prática implica que tenham de revelar se pertencem ou não a organizações como a maçonaria ou a Opus Dei.

O que a lei (n.º 4/2014, de 13 de agosto) diz, no número 3 do artigo 8º, é que a “eleição dos membros do Conselho Fiscalizador é precedida de audição pela comissão parlamentar competente para os assuntos constitucionais, direitos, liberdades e garantias, que aprecia, para além do perfil, o currículo dos candidatos, do qual deve obrigatoriamente constar o registo de interesses previsto na presente lei”. Quanto ao local onde devem ser entregues essas declarações, diz-se apenas, no ponto 1 do artigo 8º-A, que o currículo e respetiva declaração de interesses deve ser apresentado “junto da Assembleia da República”. Ou seja, não fica claro se na comissão competente, se nas mãos da presidente da Assembleia, assim como, alegam os deputados (e a própria Assunção Esteves), não fica claro se esses documentos são ou não para divulgação pública. Uma publicitação que no caso do Estatuto dos Deputados, por exemplo, já é clara. “O registo de interesses é público e deve ser disponibilizado para consulta no portal da Assembleia da República na Internet, ou a quem o solicitar”, lê-se no estatuto aplicado aos membros do Parlamento.

Mas o impasse mantém-se. O presidente da comissão, Fernando Negrão, concluiu o debate dizendo que o assunto tem de ser resolvido “institucionalmente” e que, por isso, vai encaminhar novamente o tema para a presidente da Assembleia, a quem irá mostrar a ata da sessão parlamentar desta quarta-feira. E remeteu qualquer clarificação legislativa para os deputados. “Ficamos a aguardar se há alguma iniciativa legislativa”, disse.

Ao Observador, o deputado socialista Pedro Delgado Alves disse não haver “urgência”, mas manteve a necessidade de clarificação legal em cima da mesa, dizendo que a questão da divulgação dos registos de interesses dos fiscais dos serviços de informação tem de ser analisada “ponto por ponto“. Isto porque há alguns “mais inócuos”, que já estão previstos no regime dos deputados, mas outros são de “natureza mais sensível”. Para já, terá de haver primeiro um entendimento entre Assunção Esteves e o presidente da comissão.

Quanto ao local onde as declarações de interesses devem ser entregues, que foi visto por muitos deputados como um “assunto menor”, Fernando Negrão passou a mensagem deixada por Assunção Esteves de que os documentos estão guardados no gabinete da presidente mas, se os deputados entenderem que devem chegar à comissão, a presidente da Assembleia “acata com o entender dos deputados”.

Para o PS também essa questão deve ficar ao critério da presidente. “A comissão não tem um cofre-forte, tem apenas uma gaveta com uma chave que é falsificável com um gancho de cabelo”, rematou José Magalhães, que defendeu que os documentos originais devem ficar no cofre do gabinete da presidente.