Quatro rebentos. Verdes, bem verdinhos. Nos jogos, na idade e nestas andanças, os guarda-costas baliza de Guimarães tinham tudo para estarem nervosos. Nenhum tinha mais de 24 anos escritos na idade. Ninguém, na experiência de vida, somava mais que oito partidas jogadas na primeira liga. Havia até quem, na época transata, tinha uma relação com o futebol em Castelo Branco ou Melbourne, na Austrália. Problemas? Para aquele lado, nem um. Só para o outro.

Ler o manual de história nem o fazia prever. Afinal, nos últimos 15 jogos, só por uma vez, em 2008/08, o Vitória conseguira marcar mais golos (2-0) que o Sporting em Guimarães. Pareciam não serem muito caseiros, os vimaranenses. Mas não agora. Desta vez, a bola começou a rolar e os da casa pareceram sempre querer mais de um pouco de tudo — mais pressão, mais garra a discutir ressaltos de bola, mais altura nos saltos à bola e, sobretudo, mais vontade. Isso notava-se.

No primeiro quarto de hora a bola conheceu pouco da relva. Esteve muito tempo no ar, a desdobrar-se em passes longos ou chutos para a frente vindos dos pés dos defesas do Sporting e do Guimarães, incapazes de verem caminhos para deixar a bola no relvado e fazê-la chegar aos médios. Aí ambas as equipas pressionavam. E muito. Até que os leões começaram a amainar e os do Vitória mantiveram o ritmo. E que ritmo. André André, no meio, era um cão atrás de um osso, sedento por roubar bolas e passá-las aos velocistas da equipa, Bernard Mensah e Hernâni, que também não se cansavam de cercar qualquer adversário que tivesse a bola.

O leão estava cercado. Na metade contrária do campo não tinha espaço para nada. Só de livre, aos 12’, é que Nani lá rematou e fez a bola passar perto, bem perto, da baliza de Assis. Dois minutos depois, Bernard Mensah, o ganês de 19 anos e quatro golos marcados na liga, imitou-o. Só assim, com a bola quieta, parecia poder aparecer ser cozinhado algo de perigoso. A aparência, neste caso, não iludiu. Aos 16’ o Vitória ganhou um canto e aproveitou-o: Alex bateu-o curto, com um passe para Hernâni que, ali ao lado, sacou um cruzamento que levou a bola até ao segundo poste.

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Lá estava João Afonso, que saltou, cabeceou e fez a bola passar por cima de Rui Patrício. Ia ser golo, mas Bouba Saré, pelo sim pelo não, foi lá empurrar a bola para a baliza. 1-0 e os leões eram castigados pela apatia e incapacidade em se soltarem das algemas da pressão que o Vitória apertara à sua volta. Os passes não saíam. João Mário andava escondido, a bola não chegava a Montero e Carrillo perdia-a cada vez que lhe tocava. Aos 31’, por exemplo, e após tabelarem com a bola, Nani gritou e mandou Adrien ter ‘calma!’ quando médio, ao invés de lhe passar a bola para o pé, a lançou para o espaço. Nada funcionava no Sporting.

Tão pouco a defender, onde não aprendeu a lição. Aos 42’, outra vez Hernâni teve a bola à direita e, com o pé canhoto, a cruzou rumo ao segundo poste, onde João Afonso saltou e cabeceou a bola para a baliza. Filme repetido: passou por cima de Patrício e entrou na baliza. 2-0 e os leões repetiam o erro. Sobretudo Carrillo e Adrien, os últimos dois jogadores na linha de defesa, à zona, que o Sporting montava dentro da área, para defender as bolas paradas. Tudo corria mal aos lisboetas.

E o intervalo, para eles, nada mudou. De nada lhes valia terem a bola, ou 61% da sua companhia, pois perdiam-na quase sempre que se aproximavam da área vimaranense. Marco Silva viu que tudo emperrava e pegou em Capel e Slimani para tirar João Mário e André Carrillo do campo. Mas o perigo não se pintou de verde e branco — preferiu antes chamar-se Hernâni.

Por três vezes o extremo cabo-verdiano, canhoto e, pelos vistos, velocista de segunda profissão, se sentou numa mota e fugiu a quem o tentasse perseguir. Aos 48’, cada metro que Hernâni corria era a distância que Jonathan Silva perdia na perseguição e, quando o extremo apanhou a bola, trocou as voltas ao argentino e rematou para as mãos de Patrício. Aos 50’, uma trivelada de Bernard Mensah lançou a bola na direção do cabo-verdiano, que remataria à rede lateral. Depois, aos 55, seria Maurício a ficar para trás e ver o extremo rematar, em arco, para Rui Patrício defender.

Daqui até ao terceiro golo foi mais do mesmo — o Vitória a fechar espaços no seu meio campo, André André, o capitão, careca e barbudo, que cansava quem o visse a correr e roubar bolas em todo o lado, e a defesa do Guimarães, a tal jovem e novata, a cortar qualquer bola que Nani ou Diego Capel cruzassem para a área à procura da cabeça de Islam Slimani. A bola continuou a estar mais tempo com o Sporting, mas a área do Vitória era um terreno que muito raramente conseguia visitar.

O Guimarães, pelo meio, ia contra atacando. Muito, bem e com uma vontade que devorava qualquer disputa de bola com o adversário. Foi assim que, aos 80’, os leões não conseguiram cortar um cruzamento de Bruno Alves e, às tantas, Cédric pontapeou André André dentro da área. Apito e penálti, que o capitão se encarregou de marcar. 3-0 e pronto, o jogo sorria de vez ao Vitória. E só não riu outra vez para o seu lado porque, aos 89’, outra correria de Hernâni acabou com a bola a ser pontapeada, com força, contra a trave da baliza leonina.

Tudo acabou com estrondo, para o Sporting. À nona jornada chegou a primeira derrota, e por números que o Vitória já não conseguia, em casa, frente aos leões, desde 1983. Não houve dúvidas — os de Guimarães foram melhores, sempre, e a vontade e pressão desmesurada que meteram nas pernas não deixaram a equipa de Marco Silva criar o que fosse: o único remate que acertou na baliza apareceu aos 38 minutos, quando Nani atirou a bola para as mãos do guarda-redes Assis. E isto contra uma equipa, lá está, que numa defesa com Bruno Gaspar (três jogos), Adama Traoré (oito), João Afonso (sete) e Josué Sá (oito) tinha menos jogos de primeira liga (26) do que Paulo Oliveira (50), o central que trocou no último verão o Vitória pelo Sporting.

Agora notam-se as diferenças. Os vimaranenses, com esta vitória, ficam com mais quatro pontos que os leões (e dois a menos que o Benfica) e deixam o Sporting à mercê de fechar esta jornada no sétimo lugar do campeonato — caso o Sporting de Braga, o Paços de Ferreira e o Belenenses consigam vencer. Em Guimarães, no relvado, apenas se viu uma equipa a agigantar-se e ser grande. Foi o Vitória. Após mais de dois meses de bola a rolar, já deixou de ser surpresa.