A procuradora portuguesa Glória Alves, uma das magistradas visadas pela ordem de expulsão do Governo timorense, afirmou esta sexta-feira em entrevista à agência Lusa que os juízes expulsos de Timor-Leste não tiveram qualquer interferência nos processos das petrolíferas.
“Se analisarmos as pessoas que estão visadas chegaremos à conclusão que os juízes que foram expulsos, nenhum deles teve qualquer interferência nos processos. A expulsão e a resolução são fundamentadas com os insucessos do Governo timorense nos processos relativos aos petróleos e aos pagamentos das taxas pelas empresas petrolíferas”, afirmou a procuradora portuguesa, que abandonou Timor-Leste na quinta-feira.
O Governo de Timor-Leste ordenou na segunda-feira a expulsão, no prazo de 48 horas, de oito funcionários judiciais, cinco juízes e uma procuradora portugueses, um procurador cabo-verdiano, e um oficial da PSP.
No dia 24 de outubro, o parlamento timorense tinha aprovado uma resolução a suspender os contratos com funcionários judiciais internacionais “invocando motivos de força maior e a necessidade de proteger de forma intransigente o interesse nacional” e outra a determinar uma auditoria ao sistema judicial do país.
Os motivos de “força maior” e de “interesse nacional” invocados pelas autoridades timorenses nas resoluções, segundo o primeiro-ministro, referem-se a 51 processos no tribunal no valor de 378 milhões de dólares de impostos e deduções ilícitas que as petrolíferas devem ao país, que o Estado timorense perdeu.
“Nenhuns destes juízes que foram expulsos tiveram qualquer interferência nos processos do petróleo. O procurador cabo-verdiano que foi também expulso teve uma interferência nos processos do petróleo apenas como parte acessória, o que quer dizer que a defesa do Estado foi entregue a advogados privados e, portanto, são esses a parte principal dos sucessos ou insucessos que o Governo terá, porque não há processo nenhum transitado em julgado”, disse.
A defesa do Estado timorense naqueles casos é assegurada pela sociedade de advogados norte-americana Arent Fox.
“Os processos que estão em tribunal estão todos em fase de recurso, a decisão de primeira instância foi desfavorável ao Governo, mas estão todos em recurso. Neste momento, Timor não está condenado em nenhum dos processos do petróleo”, salientou Glória Alves, que exerce de funções de procuradora há 24 anos.
Para a procuradora, a conclusão é que a expulsão daqueles magistrados “não terá nada a ver com os processos do petróleo”, mas com uma “tentativa do Governo timorense de impedir o normal funcionamento dos tribunais”.
“Se virmos o ‘timing’ da resolução, a resolução sai numa sexta-feira com uma reunião do parlamento, uma reunião do Conselho de Ministros e publicada no mesmo dia. O processo da ministra das Finanças tinha agendado a primeira sessão na segunda-feira e, portanto, penso que isto tem de ser lido”, salientou a procuradora.
Para Glória Alves, é preciso também analisar outro dado, que são os muitos processos que existem em tribunal contra elementos do Governo e altos funcionários.
O julgamento da ministra das Finanças de Timor-Leste, Emília Pires, por alegada participação económica em negócio foi adiado “sine die” a 27 de outubro passasdo, porque o parlamento timorense ainda não levantou a imunidade à ministra e porque O Tribuinal Distrital de Dili não teve ainda acesso ao processo, que está no Tribunal de Recurso, depois de a governante ter invocado nulidades na acusação.
“Para mim, esta expulsão tem apenas que ver com a tentativa do Governo de impedir o normal funcionamento dos tribunais em relação aos processos criminais”, sublinhou.
A procuradora, que esteve em Timor-Leste dois anos, salientou também que os magistrados internacionais tiveram grandes “manifestações de apreço e de obrigado” por parte dos colegas timorenses.
“Não sou política, não vim para aqui fazer política, vim para aqui exercer as minhas funções com dignidade e com respeito pela lei e pela Constituição e fi-lo e os meus colegas timorenses sabem bem e disseram-no em público”, disse, concluindo: “A nossa dignidade como magistrados foi afetada e só havia uma coisa a fazer, mandarem-nos para Portugal”.