Independência: sim ou não? Seis ‘sins’, um ‘nim’ e uma justificação comum: os catalães querem ser ouvidos. É sexta-feira à tarde em Barcelona. O dia está quente. O calendário diz que é 24 de outubro, mas a avaliar pela temperatura podia ser um dia de verão, com a diferença de que na zona universitária o ambiente é o da azáfama típica da rentrée escolar. Estão 26º.

Carlos Riba é professor na Faculdade de Engenharia e a barba grisalha não deixa enganar quanto à idade. Com 67 anos, é a favor da independência da Catalunha, apesar de já ter sido “um federalista”, explica. “Achava que podia existir uma possibilidade de convivência [entre a Catalunha e o resto do país], mas o Governo já me convenceu que não”, explicou ao Observador.

A conversa aconteceu na rua, quase um mês depois de o Tribunal Constitucional (TC) espanhol ter suspendido por unanimidade o referendo que Artur Mas, presidente do governo da Catalunha, tinha requerido para 9 de novembro. A negação do TC aconteceu 58 horas depois da convocação de Mas.

Não desistiu. A 14 de outubro, o presidente deu-lhe um um novo nome e forma, para contornar as restrições do tribunal: uma consulta popular aberta a catalães com mais de 16 anos, organizada por cerca de 20 mil voluntários, sem formação do protocolo eleitoral. Não foi suficiente. No início de novembro, o TC chumbou a consulta popular, depois de o Governo de Rajoy ter emitido um recurso para suspender a votação. A 5 de novembro, Mas lança um novo desafio e afirma que vai avançar, na mesma, com a consulta. Para teimoso, teimoso e meio?

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Quando o Observador encontrou Carlos Riba na rua, ainda não era conhecido o recurso de Rajoy e a recusa do TC à consulta popular, mas a opinião do professor já estava formada. “O Governo não nos deixou outra saída que não seja a de votar pela independência”, disse, afirmando que as recusas vindas de Madrid só aumentaram a vontade que a população catalã tem de ser independente.

Carlos Riba

Jordi Pujol e Carlos Riba são amigos e se puderem votar, votam a favor da independência da Catalunha

“Há muitos séculos que a Catalunha está a ser maltratada, dentro de Espanha. Depois do franquismo, parecia que podíamos encontrar uma forma de convivência aceitável, mas pouco a pouco, esse conceito foi-se deteriorando”, explicou. A questão dos impostos não ficou fora da conversa. “Cobram-nos impostos em Madrid, mas não nos devolvem nem uma pequena proporção do que deviam”, revela. Além da questão “da língua e da dignidade”.

“Chegámos à conclusão de que é melhor a independência. Já não há outra possibilidade”, referiu.

Ao lado de Carlos Riba, Jordi Pujol, não o político e ex-presidente da Catalunha, mas o engenheiro de 68 anos que, naquela tarde, conversava com o amigo de longa data, perto da Faculdade de Engenharia. Pujol começou por dizer que fazia das palavras de Carlos as suas. “O Estado espanhol maltratou-nos de todas as formas: no aspeto cultural, por exemplo, houve uma perseguição da língua [catalão] até à morte de Franco [ditador espanhol morreu em 1975]. Depois, pensámos que poderia haver outro tipo de relação, com um pouco mais de respeito, mas chegámos à conclusão de que a única solução é a independência”, diz.

A Jordi Pujol não lhe interessa que o Estado espanhol decida sobre os temas da Catalunha “por uma questão de dignidade”. “Não podemos continuar desta maneira”, disse, corroborando a teoria do “défice fiscal”, que Carlos Riba já tinha apontado. “A Catalunha fornece uma quantidade muito importante de impostos [a Espanha] e recebe muito menos”, diz.

Jordi também se sente “maltratado” por Madrid e diz que, se puder votar, vota pela independência. “E com esta atitude que o Governo espanhol está a ter, penso que conseguiremos”, referiu.

Ariana Argemi tem 23 anos e estuda Biologia. Sobre a independência de Catalunha, diz que “é uma questão muito difícil, porque ninguém sabe se vai correr bem ou mal”. Apesar de ainda não ter decidido qual seria o seu voto, caso houvesse referendo, tem uma opinião formada quanto às recusas de Madrid.

“Não me centro no facto de sermos independentes ou não, mas no facto de não nos deixarem votar a 9 de novembro. Temos direito a votar, as pessoas devem ser ouvidas, mas, aqui, parece que gritamos e gritamos, e que ninguém nos ouve”, refere. Ariana conta que a não vontade do Governo espanhol e as recusas do TC só fazem com que os catalães se revoltem mais, “o que é pior”. “Sei que se nos deixassem votar, teria de ter uma resposta a 9 de novembro, mas… ainda não a tenho”, confessa.

 

“Há pessoas que dizem que, se a Catalunha se tornar independente, vão para Espanha”

A 4 de novembro, depois de o TC também ter vetado a consulta popular, o conselheiro catalão da Presidência Francesc Homs adiantou que “mantinham o processo participativo” dos cidadãos e que o faziam tendo consciência de “todas as consequências”. Artus Mas acrescentou, no dia seguinte, que avançava com a votação de domingo, porque o Governo estava a pretender “lesar os direitos fundamentais dos catalães” e que, na segunda-feira vai enviar uma carta a Mariano Rajoy, para que possam voltar a negociar.

“O que vou fazer é enviar-lhe uma carta para fazer um balanço do que se passar no dia 9, e oferecer, mais uma vez, a nossa disposição para negociar”, disse, citado no El País.

“Eu sou independentista, vale?”, atira Santiago Redondo, 18 anos. O estudante de Administração e Gestão de Empresas conta que os pais são naturais da Catalunha, mas que os avós são da Andaluzia e de Castilla de la Mancha. “Sou independentista porque nasci aqui, mas também por todas as experiências que tive na minha vida”, diz, lembrando episódios de quando visitava os avós e era “mal tratado” por ser catalão.

“Furaram-nos os pneus, punham-nos lixo em cima do carro, só por sermos catalães”, conta. E revela que os ataques virtuais ainda são piores. “Na internet, encontras de tudo. Quando houve um incêndio na Catalunha, estava toda a gente a dizer no Twitter ‘que se queime toda a Catalunha’ ou ‘gostaria que os catalães ardessem todos'”, diz, mas faz uma ressalva: “nem todos os espanhóis pensam assim”.

Só se trata de votar, de saber a opinião das pessoas, diz Santiago “É suposto estarmos numa democracia. Não se perde nada em saber a opinião das pessoas. É só para termos informação, porque não era a votação de 9 de novembro que nos tornaria independentes”, revela.

Santiago

Santiago Redondo diz que é independentsta e que a opinião das pessoas devia ser ouvida

Quando o Observador lhe pergunta se tem amigos que sejam contra a independência, diz que sim. “Há de tudo. Há pessoas que dizem que, se a Catalunha se tornar independente, vão para Espanha. A maioria das pessoas que acha que Catalunha devia ser Espanha pensa assim, porque os seus pais são muito ‘espanholitos'”, diz.

Isabel Farges é uma enfermeira de 67 anos reformada. Sobre a consulta de 9 de novembro, diz que “é um fenómeno social que terá de chegar algum dia”. “Esta é uma sociedade que tem a sua própria história e projetos que devem avançar à sua velocidade. Por isso, devemos caminhar ao nosso ritmo e não ao ritmo dos outros”, diz.

Para Jordi, engenheiro, de 37 anos, a independência é o caminho. “Na Escócia, isso aconteceu, mas eles tiveram a oportunidade de escolher e nós não temos. Se vivemos em democracia, devíamos ter essa liberdade. Não sei se o ‘Sim’ ganharia, mas teríamos uma fotografia real da situação”, revela. Pepe, engenheiro agrónomo, também com 37 anos, acrescenta que o que está em causa “é uma questão de soberania”, mais do que de independência.

“A minha opinião é que enquanto cidadão europeu precisamos de dois níveis de Governo, o global, da União Europeia, e o local, da Catalunha. O que está no meio é uma herança do século passado, que não nos tem trazido nada”, diz Pepe.

É hora de jantar em Barcelona. O engenheiro explica que Espanha não demonstra ter nenhum interesse em manter a cultura catalã e os benefícios fiscais. E arrisca noutro cenário: “se existisse um sinal de que o Governo espanhol aceitava o referendo, tenho quase a certeza que o ‘não’ ganhava. Mas depois destes dois anos, em que estão constantemente a dizer que não, as pessoas ficaram absolutamente chateadas e agora, sim, temos uma oportunidade para ganhar”, diz.

Pepe termina a conversa dizendo que os catalães “não são imperialistas” e que só estão a tentar manter os seus interesses. “Só queremos ter as ferramentas que os outros europeus têm”, diz.

Na quinta-feira, 6 de novembro, o ministro catalão do Interior, Ramón Espadaler, deixou claro que a polícia catalã pode intervir no domingo para evitar que o processo participativo dos cidadãos aconteça, se forem essas as ordens do Ministério Público. No mesmo dia, o Supremo Tribunal espanhol rejeitou o recurso apresentado pelo Governo catalão contra a suspensão da consulta popular de domingo, decretada pelo Tribunal Constitucional, e, no sábado, o Ministério da Justiça confirmou que o Procurador-Geral da Catalunha abriu um processo de investigação para determinar se a utilização de locais públicos para a consulta popular constitui um crime. Artur Mas ainda não desistiu. O que gritam, agora, os catalães?