No papel, nada. Pesquisa-se, leem-se Relatórios e Contas, varrem-se páginas de documentos, e nada. Nem uma linha, um número ou uma ressalva. Nada. Miguel Rosa e Deyverson moram no Belenenses. Em onze jornadas foram a versão azul de homens decisivos: deles saíram 11 dos 15 golos do clube do Restelo no campeonato. Têm peso na equipa. Muito. Mas não visitam o vizinho da cidade. Não jogam. Ficam na bancada, a ver, sentados. Porquê? Por decisões.

É o Belenenses que assim o entende. O clube confirma que tem os direitos desportivos dos jogadores, mas ressalva que o Benfica tem fatias da tarte dos passes de ambos. No papel, lá está, nada existe a ditar que, em caso de colisão, não podem estar em campo. Uma combinação apalavrada ou um acordo de cavalheiros, seja o que for, Miguel Rosa e Deyverson nada têm de lesões ou de algo que Lito Vidigal, o treinador, não goste. Mas não jogaram na Luz.

Os azuis, esses, aparecem iguais: organizados, sem inventarem e, sem bola, a defenderem com os homens bem juntos. Fechados, com duas linhas de jogadores bem próximos. E o Benfica surge à moda de Jesus — a tentar atacar sempre rápido, com jogadas aceleradas e, perante um Belenenses tão encolhido, a dar velocidade à bola a cada passe que fazia. Foi assim, aos 11’, que a bola chegou a Nico Gaitán, à entrada da área, vinda do pé de Enzo após o argentino roubar um azul e assistir o pé direito do compatriota, que rematou ao lado.

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Enzo foi ladrão. Como os encarnados conseguiam ser quando o Belenenses, antes, lhes roubara a bola: por estarem com os jogadores tão juntos, tão próximos uns dos outros, facilitavam uma reação rápida e imediata dos jogadores do Benfica à perda da bola. Portanto, a coisa redonda estava muito, muito tempo, a rodar entre os pés de Gaitán, Salvio, Enzo, Jonas ou Talisca. Ele, o magrinho brasileiro, que aos 18’ armou o remate que já lhe deu oito golos na liga e atirou a bola, de fora da área, para Matt Jones defender, com dificuldade.

Só aos 20’ é que os do Restelo conseguiram fazer uso de uma bola recuperada. Levaram-na até Fredy, na direita, que abrandou um contra-ataque para começar a bailar diante de Jardel, obrigando o central a persegui-lo enquanto a correria Palmeira, o lateral, não os ultrapassava: quando o fez, Fredy passou-lhe a bola e o português cruzou-a para a área, onde a cabeça de Tiago Caeiro a rematou para Júlio César a parar junto ao poste. O Belenenses aparecia. E só voltaria aquele lado do campo aos 34’, quando o mesmo Fredy se livrou de André Almeida, cortou para dentro e, com o pé canhoto, rematou a bola para a malha lateral da baliza.

Antes já a cabeça de Luisão esperou pelo lançamento lateral de Salvio, daqueles longos, e rematou uma bola que passou bem perto do poste esquerdo da baliza de Matt Jones. O guardião inglês cuja aventura, aos 43’, em que saiu disparado da baliza para socar uma bola, só não correu pior porque Salvio, com a cabeça, não teve força para fazer a bola chegar à baliza azul. Na primeira parte, nada de golos na Luz — e o Benfica, no seu estádio, já não vai descansar para o balneário a vencer desde a primeira jornada, contra o Paços de Ferreira.

O jogo rearrancou com outra trapalhada de Matt Jones, o inglês que, aos 54’, amanteigou as mãos para nem à terceira agarrar uma bola na área, enquanto Gaitán, com a cabeça e o pé, a ia tentando rematar. De resto, quando a bola não andava por ali, continuava a circular entre os encarnados, não tão rápido como antes, mas quase sempre com eles. Salvio, com tanto passe, passe, passe, lá rematou aos 58’, de longe, mas desta vez o guarda-redes agarrou a bola.

Logo a seguir, o pé direito de Gaitán, à entrada da área, voltou a rematar ao lado, após um ressalto vindo de um corte de João Afonso. Por volta da hora de bola a rolar já se via Luisão e Jardel enfiados no meio campo do Belenenses, que se ia encolhendo mais e obrigava até os centrais encarnados a serem peças e participarem no carrossel de passes que tentava desmontar as fechaduras azuis. Mas de bola corrida, de jogadas, o Benfica não ia lá. Foi preciso ela parar quieta.

Fê-lo num canto e de lá chamou Gaitán. O argentino foi, bateu-lhe, cruzou-a para a área e Jardel cabeceou-a. Não para a baliza, mas para Jonas, que perto do poste direito lhe tocou também com a cabeça, para o meio, onde Lima usou a sua para a desviar para a baliza. Era o 1-0, o desbloqueio da primeira fechadura e um alívio para Lima — sete meses depois, o brasileiro voltava a rematar uma bola corrida, e não parada, para o fundo da baliza (a última fora contra a Juventus, em abril, para a Liga Europa).

E o avançado abriu a porta.

Porque depois, aos 70’, Enzo Pérez foi a correr atrás de uma bola que chegou à área. E João Afonso empurrou-o pelas costas. E o árbitro apitou. E o argentino pegou na bola, colocou-a na marca, deu uns passos atrás e, devagarinho, caminhou antes de rematar e não enganar Matt Jones. O inglês adivinhou o lado, mas nada feito. A bola entrou e o 2-0 apareceu. Agora o Belenenses resignava-se. Já se tentava soltar mais e lançar mais homens nos contra-ataques, mas já poucas jogadas conseguia montar.

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O Benfica também abrandou. Bastante. Tanto que os jogadores azuis se habituaram à acalmia — que, como qualquer uma, é apenas provisória, até que surja algo que volte a agitar as coisas. Esse algo foi Nico Gaitán, que, aos 83’, com a bola já perto da área do Belenenses, decidiu arrancar, acelerar, ultrapassar três jogadores e cruzar para Salvio só ter que dar um salto para cabecear a bola rumo à baliza desprotegida. Classe na jogada. E o 3-0 acabava com tudo: e dava o 603.º golo no 292.º jogo de Jorge Jesus a treinar o Benfica.

E uma coisa é certa: o Benfica viajará até ao Estádio do Dragão, na próxima jornada, com pelo menos três pontos a mais que o FC Porto. E com Enzo Pérez e Maxi Pereira, que não viram cartões amarelos e, por isso, lá estarão. Com ou sem Miguel Rosa e Deyverson, porém, o Belenenses tentou sempre fechar-se, trancar tudo a sete chaves e não deixar que os encarnados se aproximassem da sua baliza. Falhou. E esta fórmula talvez não mudasse com os dois jogadores em campo.