O presidente da Comissão Europeia e a sua equipa de 27 comissários tomaram posse há menos de dois meses, mas já introduziu algumas inovações ao quotidiano da Comissão Europeia. Desde a organização interna, à preparação de 2015 ou à marca que quer imprimir durante os cinco anos do seu mandato, Jean-Claude Juncker quer fazer o seu próprio caminho e afastar-se dos 10 anos de domínio de Durão Barroso em Bruxelas.

Jean-Claude Juncker sempre foi um interveniente privilegiado na história recente da construção europeia, mas como ministro das Finanças ou primeiro-ministro do Luxemburgo, e apesar de ter coordenado alterações importantes como o Tratado de Maastricht ou ter presidido ao Eurogrupo, nunca conseguir pôr em prática a sua visão para a Europa. Agora que detém o cargo de topo em Bruxelas, Juncker está a mostrar o que quer para Europa.

1. Muda a comunicação, muda a perceção?

Para além de uma equipa nova, há também uma nova rotina de comunicação na Comissão que começa logo ao início do dia. O novo chefe dos porta-vozes, Margaritis Schinas, faz circular entre todos os comissários algumas respostas básicas para responder ao longo do dia às solicitações dos jornalistas nos vários eventos que cada comissário tem na agenda diariamente, mostrando assim uma posição mais coesa e menos dada a erros de comunicação.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Para além disto, os comissários deixaram de ter porta-voz próprio e agora, os porta-vozes são setoriais – no total é uma equipa de 10 pessoas – e respondem por um conjunto de áreas e por dois ou três comissários diferentes. Segundo o European Voice, esta mudança serve para não haver contradições entre comissários nem mal entendidos sobre medidas que envolvam várias pastas.

Os próprios comissários vão também passar a assumir um papel mais direto, intervindo mais vezes nas conferências de imprensa diárias – Juncker e o vice-presidente Frans Timmermans falam todas as quartas-feiras, depois da reunião entre todos os comissários.

2. Juncker quer que transparência seja a palavra-chave

A partir de dia 1 de dezembro passou a ser obrigatório que todos os comissários, todos os membros dos seus gabinetes e ainda os diretores das direções-gerais – funcionários da Comissão responsáveis pela elaboração de políticas setoriais – registem todas as reuniões com lobistas ou grupos do interesse que recebam.

É prática comum em Bruxelas representantes de lobis ou grupos de interesse pedirem para ser recebidos por altos funcionários das instituições europeias de forma a apresentarem os seus argumentos sobre determinada matéria que esteja a ser discutida na altura – há por exemplo representações de confederações de grandes empresas, lobistas ligados à agricultura, associações de direitos das mulheres.

A comissária do Comércio, Cecilia Malmström anunciou ainda que haverá mais transparência nas negociações até agora secretas que decorrem entre a Comissão Europeia e os Estados Unidos para concluir o tratado que vai permitir o livre comércio entre os dois blocos comerciais ou Acordo de Parceria Transatlântica de Comércio e Investimento entre a União Europeia e os Estados Unidos da América (TTIP). A comissária garantiu ainda que vão ficar disponíveis mais documentos aos eurodeputados para poderem assim fiscalizar estas negociações, até agora secretas.

3. Menos medidas no programa anual de trabalho para maior eficácia

Todos os anos, a Comissão é obrigada a informar o Parlamento Europeu e o Conselho da União Europeia do seu programa de trabalho para o ano seguinte. Este ano, e após 10 anos de uma Comissão liderada por Durão Barroso, Juncker decidiu mudar as coisas. Cabe a este órgão europeu iniciar o processo legislativo que leva depois à implementação de novos regras nos 28 Estados-membros e o luxemburguês decidiu que em 2015 a Comissão vai apresentar menos propostas, mas tentar maximizar os seus resultados.

Em média, a Comissão apresentou 130 propostas anualmente nos anos de governação europeia de Barroso, agora Juncker propôs reduzir esse número para 23 em 2015 e ainda acabar com alguns processos legislativos em curso que estão parados há alguns anos no Conselho da União Europeia – onde os governos dão o seu aval depois de a proposta vinda Comissão passar pela Parlamento Europeu. O complexo processo legislativo que envolve a aprovação de uma lei a nível europeu (co-decisão ou processo legislativo ordinário) faz com que muitas propostas nunca se tornem leis e o crescimento da resistência por parte da opinião pública a uma maior intromissão comunitária nas leis nacionais cria também resistência a novas regras.

Assim, a Comissão Juncker vai apostar no programa de investimento que apresentou em novembro, desenvolvendo legislação que o permita entrar e vigor até junho do próximo ano, trabalhar num “programa de mercado digital ambicioso” de modo a atrair empresas e start ups digitais para os países da união Europeia, desenhar a base para uma união energética e criar uma base mais justa de cobrança de impostos entre os vários Estados-membros, tentando aproximar os sistemas fiscais, especialmente aqueles que oferecem condições extraordinárias para empresas e prejudicam assim outros parceiros europeus.

Algumas das medidas que vão ser descartadas por Juncker incluem a uniformização da lei da maternidade, desenvolvida em grande parte pela antiga eurodeputada Edite Estrela. Esta proposta que prevê a obrigatoriedade de uma licença de maternidade de cinco meses e a inclusão do pai no tempo de licença está bloqueada pelo Conselho da União Europeia por não reunir consenso entre os 28 Estados-membros. Frans Timmermans disse a meio de dezembro que caso os países não chegassem a um entendimento nos próximos seis meses, a proposta será retirada e esta Comissão vai apresentar uma nova. Os lóbis de direitos das mulheres e dos trabalhadores em Bruxelas, assim como o grupo dos socialistas europeus, opõem-se a esta decisão.

4. Um plano para o crescimento com muitas dúvidas pelo meio

O plano Juncker para o crescimento envolve a criação de um Fundo Europeu para Investimentos Estratégicos cofinanciado pelo orçamento da União Europeia (15 mil milhões de euros) e pelo Banco Europeu de Investimento (5 mil milhões de euros) que pretende criar um género de New Deal para a União Europeia apostando em projectos de grande dimensão, de preferência com execução partilhada entre vários Estados-membros e que envolvam também empresas privadas. O objetivo deste plano é multiplicar o dinheiro investido por 15 e obter assim, até 2018, 300 mil milhões de euros em investimento criando novos empregos na União Europeia.

No entanto, as dúvidas sobre a viabilidade e resultados deste plano começam já a aparecer. Stuart Holland, professor da Universidade da Coimbra e um especialista em Assuntos Europeus – tendo assessorado o primeiro-ministro britânico Harold Wilson, o presidente da Comissão Jacques Delors e António Guterres, quando este era primeiro-ministro – considera este plano “patético”. “Eu tenho muita consideração por Juncker, mas ele foi ultrapassado por Wolfgang Schäuble [ministro das Finanças alemão] e Angela Merkel, que estão obcecados pela dívida – aliás a palavra para dívida em alemão é a mesma que para culpa. Eles são economicamente iliterados e não percebem que o inverso da dívida é crédito e o investimento é o que se deve fazer para ultrapassar essa dívida”, disse o académico ao Observador.

Segundo Stuart Holland, Juncker queria um plano baseado no Banco Europeu de Investimento, de forma a que o investimento feito não contasse para as dívidas nacionais do países – que em países como Portugal já está acima dos 130% do PIB. Já o grupo da Esquerda Unitária criticou o plano aquando da sua apresentação, confrontando o presidente da Comissão com o facto de “não haver dinheiro novo” nesta medida. “Nesta altura de estagnação e recessão na zona euro, não há nenhuma economista no mundo que acredite neste plano”, disse o eurodeputado grego Dimitrios Papadimoulis.

5. Fim do cargo de conselheiro científico do presidente da Comissão

Anne Glover, uma conceituada bióloga escocesa, foi escolhida em 2012 como conselheira científica de Durão Barroso – um cargo criado nesse ano para assessorar o presidente nas suas tomadas de posição relacionadas na ciência -, mas uma das primeiras medidas de Juncker quando chegou à Comissão foi dispensá-la e acabar com este cargo. Grupos ambientalistas como o Greenpeace pediam há muito o afastamento de Glover por esta defender que os produtos alimentares geneticamente modificados não tinham prejuízos conhecidos para a saúde dos seres humanos, algo muito contestado na Europa central.

Vários eurodeputados contestam este afastamento e temem que a Comissão fique sem orientação nos principais desafios científicos dos próximos anos, nomeadamente nas alterações climáticas e na produção alimentar. A Comissão responde a estas críticas dizendo que está a articular uma nova forma de integrar “conselhos independentes” em termos científicos nas suas decisões, estando a saída de Anne Glover prevista já para janeiro.