Tudo indica que o Orçamento do Estado (OE) para 2015 vai ser o primeiro elaborado pelo atual Governo a não ir parar às mãos dos juízes do Tribunal Constitucional (TC). Os partidos da oposição, do PS ao PCP, têm estado calados sobre esta matéria. Vieira da Silva diz que “desta vez é diferente” e Ferro Rodrigues confirma que assunto não está, para já, na agenda do PS. O Orçamento foi promulgado esta terça-feira por Cavaco Silva. Os pedidos de fiscalização costumam surgir em janeiro mas, desta vez, o caminho parece estar livre para o OE 2015. E tudo porque este é um orçamento diferente, dizem.
Ao Observador, o líder da bancada socialista confirmou que o envio de normas do Orçamento para o Tribunal Constitucional “não está a ser discutido nem está no agendamento” dos trabalhos do grupo parlamentar. Já o deputado João Galamba, coordenador dos socialistas na comissão de Orçamento e Finanças diz mesmo: “Não tenho informação sobre isso”. A manter-se esta posição do maior partido da oposição, será a primeira vez que um orçamento do atual Governo escapa ao crivo do Tribunal Constitucional, pelo menos pela via dos socialistas.
No ano passado, António José Seguro não esperou sequer pela aprovação da versão final do documento, para anunciar, em novembro, que o PS iria enviar para o TC as normas do Orçamento relativas à convergência de pensões no setor público e privado. Mas “desta vez é diferente”, diz Vieira da Silva ao Observador. “Desta vez o debate foi mais no sentido político da discussão”, já que o Governo recuou nas medidas que tinham sido consideradas inconstitucionais pelo TC, disse o atual coordenador dos deputados do PS para os assuntos económicos e financeiros.
A verdade é que as medidas relativas aos cortes salariais, à convergência de pensões e à Contribuição Extraordinária de Solidariedade, que foram chumbadas pelo TC no ano passado, não foram “modeladas” nem reformuladas por Passos para serem incluídas no Orçamento para 2015.
Mas há mais um ponto, referido ao Observador por um socialista que esteve na linha da frente dos pedidos anteriores: este é um orçamento mais pelo lado dos impostos do que pelo lado da despesa. E, diz o mesmo socialista, os aumentos de impostos costumam fazer caminho no Tribunal Constitucional.
Além do lado referente ao conteúdo do Orçamento, há ainda o lado político que é equacionado pelos socialistas. É que os chumbos do Tribunal Constitucional têm sido trunfos para a oposição e, desta vez, os socialistas querem que o assunto não seja tão mediático nem pretendem fazer um pedido de fiscalização porque não têm a certeza que sairia um chumbo. As armas poderiam assim virar-se contra o maior partido da oposição em pleno ano de eleições legislativas. O mesmo deputado lembra ao Observador que se o TC demorasse tanto tempo como até aqui, a decisão sairia em abril ou mesmo maio o que faria com que o assunto não fugisse ao combate em campanha.
Por agora, só o Provedor de Justiça admite que vai entregar um requerimento ao Tribunal Constitucional a pedir a fiscalização abstrata sucessiva da constitucionalidade de três medidas, que inclusivamente já tinham sido colocadas ao TC aquando do Orçamento de 2014. É o caso da devolução de apenas 20% dos cortes salariais aplicados aos trabalhadores das empresas públicas, mantendo um corte de 80%, e da lei das 35 horas de trabalho semanal para os trabalhadores das autarquias.
Na altura da promulgação do Orçamento do Estado para 2014, o provedor já tinha pedido ao TC para analisar o problema da aplicação dos cortes salariais aos trabalhadores das empresas públicas, mas os juízes do Ratton acabaram por não analisar o pedido porque declararam inconstitucionais todos os cortes salariais previstos no OE. Esta questão, no entanto, não deverá ser levantada pelo PS, que, ao contrário dos anos anteriores, ainda não fez qualquer pré-anúncio do envio de normas do Orçamento para o TC.
Ainda não é certo no entanto o que vão fazer os partidos mais à esquerda. Por norma apresentam os pedidos ao Constitucional no início do ano, mas com anúncios anteriores, o que ainda não aconteceu.
A diferença para o PS de Seguro
António José Seguro resistiu, mas à segunda tentativa, cedeu. No primeiro Orçamento que discutia enquanto líder do PS, Seguro não assinou por baixo os pedidos de fiscalização de algumas normas do Orçamento para 2012 subscritas por um grupo de deputados. Curiosidade: muitos deles, apoiantes de António Costa. Os deputados pediram, o PCP e o BE também, e o Tribunal deu-lhes razão e chumbou o corte nos subsídios de férias e de Natal para pensionistas e funcionários públicos com salários superiores a 600 euros. Mas apenas para o ano seguinte. Tudo porque o Constitucional entendeu que a norma violava o princípio constitucional da igualdade, mas que dado o interesse público excecional, os efeitos mantinham-se em 2012, mas estavam proibidos para 2013.
No ano seguinte, o cenário foi diferente. À assinatura dos deputados, juntou-se quase todo o grupo parlamentar, com António José Seguro à cabeça. O Presidente da República já tinha pedido a fiscalização sucessiva de três normas do Orçamento do Estado para aquele ano, mas o PS queria apresentar fundamentação própria. E por isso, entregou um pedido com urgência aos juízes do Palácio Ratton. No pedido (ver em anexo) constavam:
- Dois artigos sobre o corte do subsídio de férias de pensionistas e funcionários públicos acima de 600 euros;
- Contribuição Extraordinária de Solidariedade, na versão de corte de 3,5% a 10% acima de 1350 euros.
Para 2014 voltou a ser diferente. O Presidente da República não pediu qualquer fiscalização e o PS decidiu enviar o próprio pedido aos juízes com quatro artigos:
- Redução dos vencimentos dos trabalhadores do setor público acima dos 675 euros;
- Taxas sobre os subsídios de doença e desemprego;
- Redução dos complementos de pensão no setor empresarial do Estado;
- Recálculo das pensões de sobrevivência.
Mas não seria o único pedido do ano. Depois do chumbo do Tribunal Constitucional à convergência dos regimes de pensões, público e privado, o Governo decidiu alterar a Contribuição Extraordinária de Solidariedade (que tinha passado pelo crivo dos juízes). A medida passava a abranger pensionistas acima de mil euros com uma taxa inferior e o PS considerou na mesma que a norma era “claramente violadora do princípio da proibição do excesso” porque impunha “um sacrifício a uma escala inovadora face à versão originária”.