As reuniões realizadas entre o ex-presidente do Banco Espírito Santo (BES) e vários responsáveis do governo e o Presidente da República realizaram-se entre 2 e 20 de maio do ano passado, de acordo com a cronologia fornecida pelo próprio à comissão parlamentar de inquérito aos atos de gestão do BES e do Grupo Espírito Santo (GES). O aumento de capital do banco foi anunciado a 15 maio, mas o período de subscrição, em que os investidores dão ordens de compra, decorreu já depois destes encontros em que o ex-presidente do BES terá alertado para a situação do grupo e do banco.
Nessas reuniões, segundo a versão de Ricardo Salgado, o então presidente do BES explicou os problemas do grupo, mas também os impactos que poderiam ter no banco. “Estas reuniões versaram sobre as contingências associadas à situação do GES e, ainda, do BES. Aliás, não poderia ser de outra maneira, sob pena de os problemas serem enfrentados de forma redutora, não tomando em atenção as conclusões do ETRICC (exame do Banco de Portugal à solidez dos maiores devedores onde se incluía a Espírito Santo Internacional), que confirmaram a viabilidade financeira do GES, como acima referido”.
Ricardo Salgado defendia que o futuro do banco estava dependente da salvação do GES, enquanto o discurso das autoridades era a de que os problemas estavam na área não financeira, enquanto o banco era sólido. O ex-banqueiro recorda uma carta enviada por Maria Luís Albuquerque ao governador do Banco de Portugal com data de 13 de junho em que a ministra das Finança confirma ter sido alertada por responsáveis no grupo e no banco para “eventuais riscos para a estabilidade financeira advenientes da situação”.
Para Salgado, “esta circunstância demonstra que as diligências acima identificadas (nomeadamente as reuniões realizadas em maio de 2014) visaram, entre outros objetivos, informar as entidades competentes sobre as preocupações do GES, e reitere-se, do próprio BES. Foi neste contexto que assumi ser meu dever prevenir, mais uma vez, as entidades regulatórias e políticas para os riscos sistémicos, designadamente ao nível do setor financeiro”.
Estes encontros aconteceram todos antes do período de subscrição do aumento de capital do BES que decorreu entre 27 de maio e 9 de junho. Nesta operação participaram vários investidores internacionais e também muito pequenos acionistas que perderam tudo na sequência da resolução do BES em agosto do ano passado. O aumento de capital de 1045 milhões de euros foi anunciado em 15 de maio e no dia 20 foi divulgado o polémico prospeto onde eram identificadas as irregularidades financeiras na Espírito Santo Internacional e os riscos reputacionais para o grupo.
Partidos exigem explicações sobre o que Cavaco sabia
O facto de Salgado ter falado tanto com o Presidente da República como com o vice-primeiro-ministro e outros responsáveis políticos antes do aumento de capital – que já tinha sido aprovado, mas cuja subscrição pública só começaria mais tarde – foi o fundamento usado pelos partidos para requererem explicações a Cavaco Silva por escrito e a Paulo Portas na audição já prevista no alinhamento, mas ainda não marcada.
A tese de que Cavaco já poderia saber mais da situação do BES do que aquilo que disse nas declarações públicas foi levantada pelos partidos da oposição que querem agora enviar perguntas ao chefe de Estado. PCP e BE já entregaram o requerimento e ambos focam a justificação no facto de as declarações de Cavaco terem sido proferidas antes do processo de aumento de aumento de capital.
No requerimento do PCP lê-se que o Presidente da República prestou “declarações públicas sobre a estabilidade e solidez do banco num momento crítico para o desfecho de um aumento de capital, com implicações que vão além das perdas dos investidores, e que se repercutem inclusivamente nos desenvolvimentos e medidas tomadas pelo Governo e pelo Banco de Portugal”.
O BE faz o filme das declarações de Cavaco para questionar sobre “qual a profundidade do conhecimento dos factos ao dispor das várias entidades que, de forma inadvertida ou não, deram publicamente o seu voto de confiança ao BES”.
O PS só esta sexta-feira de manhã vai entregar o requerimento, mas o deputado socialista Pedro Nuno Santos levantou a questão nas declarações que fez ontem depois de conhecida a carta de Ricardo Salgado. Disse o deputado que as explicações “são fundamentais para se saber o que as autoridades políticas em Portugal sabiam quando se estava a fazer o aumento de capital do BES”.
Acrescentou ainda que as palavras de “confiança [de Cavaco] foram feitas depois dos encontros com Ricardo Salgado e as reuniões aconteceram antes do fim do prazo da subscrição do aumento de capital”. “Se sabiam da situação do BES (…) tinham a obrigação de ter dito“, acrescentou.
O Presidente da República disse no dia 21 de julho de 2014 – a reunião com Ricardo Salgado foi em maio – que: “O Banco de Portugal tem sido perentório e categórico a afirmar que os portugueses podem confiar no BES dado que as folgas de capital são mais do que suficientes para cumprir a exposição que o banco tem à parte não financeira, mesmo na situação mais adversa”.
Honório não se lembra de pedidos de ajuda para o BES
José Honório, que também participou em vários destes encontros, confirmou esta quinta-feira que foram deixados alertas sobre a situação grave do Grupo Espírito Santo, cuja dívida de 7,6 mil milhões de euros, e para o risco de uma implosão descontrolada do grupo. No entanto, não se recorda de ter ouvido Ricardo Salgado a pedir ajuda para o BES ou sequer de ter avisado para o impacto que o desmoronamento do grupo teria no banco.
O gestor independente, que foi consultor informal do GES, confirma que foi ele quem aconselhou Salgado a falar com os políticos e com o presidente da Comissão Europeia para informar sobre a situação grave do GES e pedir ajuda. O gestor defendeu que um passivo daquela dimensão (4,5% do PIB) exigia uma solução a nível político porque era preciso ganhar tempo.
Honório só não esteve na reunião com Cavaco Silva. O gestor falou ainda pela primeira vez de uma reunião entre Salgado e Paulo Portas. A conversa com o vice-primeiro ministro também é referida na missiva de Salgado.