A Escola de Música Tradicional de Lafões – que conta com 20 alunos, entre crianças, jovens e adultos – nasceu na sequência de um trabalho de recolha do património imaterial da região e de alguma formação que a associação já vinha desenvolvendo.
“O desafio que me foi feito foi: ‘nós fizemos o que podíamos, agora tem de ser outra pessoa com mais conhecimentos a levá-los onde eles quiserem ir’. Esse é o objetivo, tendo como pedra base o trabalhar das nossas raízes e da nossa música de raiz”, contou à agência Lusa o coordenador da escola, Paulo Pereira, que tem formação em música barroca, mas é apaixonado pela música tradicional.
Os mais pequenos têm aulas todas as sextas-feiras para aprenderem a tocar os vários instrumentos. Aos domingos, ensaia a tuna, uma junção de vozes e de instrumentos, onde os mais velhos também recebem formação. De quinze em quinze dias, encontram-se os elementos dos cantares polifónicos.
Segundo Paulo Pereira, “na tuna faz-se um trabalho mais de aprender a música e de usar o património cultural como uma matéria”.
“Aí, não há regras, podemos fazer o que nos apetece, há a bateria, seja o que for. Nos polifónicos não, tentamos fazer o que era”, acrescentou.
O professor considera que “há certas coisas que devem ser preservadas como são e há outras que devem ser aproveitadas e feitas de uma forma mais moderna, até porque é a única forma de os miúdos quererem aprender”.
“Temos de arranjar um meio-termo para que as novas gerações peguem nas suas raízes”, frisou.
As especificidades da música de Lafões – região que abrange os concelhos de Oliveira de Frades, Vouzela e S. Pedro do Sul – são muitas e Paulo Pereira entusiasma-se a enumerá-las.
“A cantada já se aproxima do gregoriano, é uma lógica de palavra, da frase feita e em que a música é escrava da palavra, como no canto gregoriano. Quando vai para os polifónicos, essa especificidade extrema-se ainda mais”, sublinhou.
Nas polifonias, há sempre cantares com “pelo menos três vozes, a fazer coisas que os teóricos dizem que são proibidas, interditas”, mas que em Lafões “o povo fazia naturalmente”. Paulo Pereira lembra-se de ter ouvido em Pindelo dos Milagres, no concelho de S. Pedro do Sul, uma versão de “Ao passar a ribeirinha” a três vozes.
“O que eu acho que acontecia é que chegava aqui a música e punham-lhe logo as camadas todas, as três vozes, de uma forma bastante desregrada”, referiu, contando que cada aldeia “faz da sua maneira”.
Há ainda “especificidades muito curiosas”, como o descante, feito habitualmente por uma voz muito forte.
Maria de Lurdes de Nabais, de 54 anos, natural do concelho de Oliveira de Frades, é uma das pessoas que faz o descante, “culpado” por ficar muitas vezes vermelha e com falta de ar quando canta.
Era ainda criança quando aprendeu “a por o descante em falsete”, outros tempos que lhe trazem muitas recordações.
“A minha mãe ia ajudar as pessoas na aldeia e na altura das ceifas cantavam essas canções. Eu andava na escola, ia almoçar a casa dessas pessoas e aprendi a cantar. Cantavam a Santa Combinha e outras modas antigas”, contou.
Filipa Carvalho, de 26 anos, é uma mafrense a viver na região de Lafões, onde descobriu um património imaterial que quer ajudar a divulgar.
“Devemos ter sempre conhecimento daquilo que é nosso, daquilo que herdámos e depois podemos contactar com todo o mundo. Se conhecermos o que herdámos, também podemos transformá-lo, traze-lo para os nossos dias e misturar com outras coisas”, referiu.
Na sua opinião, o projeto recém-nascido poderá ser um grande contributo para divulgar a música de Lafões.
“Há um sem fim de estratégias, como ir a escolas, ensinar outros miúdos, fazer encontros com outros países, promover este património na região e fora dela”, defendeu.
Paulo Pereira explicou que há o objetivo de formar pessoas que futuramente possam ensinar as crianças dos jardins-de-infância e das escolas, para que, de geração em geração, não se perca “um património que é realmente muito rico”.