O artista Lars Vilks, que ficou conhecido por ter caricaturado Maomé em 2007, habituou-se a viver sob ameaça de morte permanente e cercado por proteção policial. No último sábado, era um dos convidados do debate em homenagem ao Charlie Hebdo, realizado em Copenhaga, na Dinamarca, e que foi interrompido por um ataque terrorista que vitimou uma pessoa e provocou três feridos. Vilks escapou ileso, mas tudo indica que era ele o principal alvo do ataque. “Diria que era o candidato com mais votos na sala”, disse o sueco numa entrevista à AFP, em que descreveu os momentos vividos durante o ataque.
“Os disparos pareciam nunca mais acabar. Mas na realidade só podíamos ouvir o ataque. Entre nós e o assassino havia uma parede. Os homens da minha escolta sabem lidar com este tipo de situações. Separaram-me dos demais e levaram-me para um lugar seguro, onde falei com os investigadores”, revelou.
Lars Vilks está escondido em parte incerta desde o ataque. Uma das muitas medidas de segurança que tem de cumprir desde que desenhou o profeta com corpo de cão. Conta à AFP que sobreviveu a duas tentativas de assassinato e que dorme com um machado debaixo da almofada para o caso de alguém conseguir penetrar no refúgio blindando que foi obrigado a construir. Mas não se arrepende de ter caricaturado Maomé. “Nunca foi minha intenção ofender o profeta. Fi-lo para provar que a arte deve ser livre”, sublinhou o sueco.
Há, no entanto, quem o acuse de colocar em risco a sociedade em nome da provocação gratuita. Vilks defende-se: “O perigo não são os artistas, são os assassinos, que devemos encontrar e deter. Não se negoceia conceitos como democracia e liberdade de expressão. Não podemos deixar que a ameaça nos condicione e coloque as nossas regras em causa. Não podemos sucumbir. Nós não podemos mudar a nossa ideia de democracia só porque os assassinos não gostam“.
Desde o ataque ao jornal satírico Charlie Hebdo, que o debate sobre até onde pode ir a liberdade de expressão quando estão em causa temas sensíveis como a religião se tornou uma constante. Existem vozes que defendem que não se devem ofender os muçulmanos, correndo o risco de ataques como os de Paris e de Copenhaga se repetirem. Lars Vilks acredita, no entanto, que o rumo certo é precisamente o oposto: “todas as religiões, o Islão também, condicionam a vida social e política do povo e, portanto, estão no mesmo nível que outras ideologias e sujeitas às mesmas regras. O Islão deve estar aberto ao debate, à ideia de que pode receber insultos ou insultar. Isso é liberdade de expressão. Violência é outra coisa…”
E agora, que espaço terão as publicações controversas como o Charlie Hebdo ou os trabalhos de Lars Vilks, quando a Europa vive com medo de novos ataques terroristas? O artista sueco acredita vivemos num tempo em que muitos não vão correr o risco de publicar esses trabalhos. Ainda assim, garante, “vai continuar em frente”, sem medo das consequências.
“O massacre em Paris tornou mais franco o debate sobre a liberdade de expressão. Os terroristas não conseguiram impedi-lo. Espero que este enésimo ataque, em vez de fazer com que o medo aumente, contribua para ampliar o debate: a liberdade de expressão é um tema fundamental. O mundo inteiro tem de posicionar-se claramente a respeito do tema”, defendeu Lars Vilks.