“Um carro muito à frente do seu tempo.” Sempre que se lê sobre o Citroën DS, o mítico boca de sapo – descrição que ganhou em Portugal depois de um restyling no final dos anos 60 –, é comum encontrar esta figura de estilo. Compreende-se: foi, de facto, uma máquina inovadora para a época, com uma suspensão hidropneumática ajustável pelo condutor, que podia elevar ou baixar o carro conforme desejasse.

O DS 19 foi apresentado ao mundo no Salão de Paris de 1955, depois de mais de uma década a ser desenvolvido pelo engenheiro André Lefèbvre e o designer Flaminio Bertoni. A dupla já tinha sido responsável pelo seu predecessor, o Traction Avant, alvo, também ele, de uma alcunha curiosa nas estradas portuguesas: era conhecido como a “arrastadeira”. O trabalho de Lefèbvre e Bertoni não demorou a ser reconhecido no evento. Nos primeiros 45 minutos da apresentação, a marca francesa registou 743 encomendas do novo modelos, número que cresceu para 12000 no final do primeiro dia. Um êxito.

Crowds at the Paris Motor Show in the Grand Palais surround a Citroen DS-19 on display. (Photo by Keystone/Getty Images)

A multidão no Salão de Paris, no Grand Palais, assiste à apresentação do Citröen DS-19. (Keystone/Getty Images)

Além da famosa suspensão, o DS (“déesse” significa deusa em francês) trazia outras novidades: tração dianteira, travões em disco frontais e um circuito hidráulico que alimentava a direção e a embraiagem. Dois anos depois, a Citröen lançou o ID (“idée”, ideia em francês, outro jogo de palavras), uma versão mais barata e menos equipada do mesmo carro, sem direção assistida nem transmissão automática, mais tarde comercializado em versão berlina.

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Um dos folhetos de promoção ao ID 19, na versão berlina.

Foi um carro tão marcante que até o filósofo Roland Barthes lhe dedicou um ensaio, na obra Mitologias. Eis algumas das suas considerações: “O novo Citröen cai manifestamente do céu, na medida em que se apresenta, desde o início, como um objecto superlativo. Não devemos esquecer que um objecto é o melhor mensageiro do sobrenatural: nele encontra-se facilmente uma perfeição e, ao mesmo tempo, uma ausência de origem, um enclausuramento e um brilhantismo, uma transformação da vida em matéria (a matéria é muito mais mágica que a vida) e, numa palavra, um silêncio que pertence ao domínio dos contos de fadas.”

Ao longo da sua existência, o DS sofreu vários restylings. O de 1967, que lhe tornou os faróis mais alongados (a virar conforme o ângulo do volante, outra inovação) e lhe refez o pára-choques dianteiro, deu-lhe o tal aspeto de “boca de sapo”. Em Espanha também teve direito a nome de animal: ficou conhecido como tiburón, ou tubarão.

A partir de 1967, o DS ganhou este aspecto frontal.

A partir de 1967, o DS ganhou este aspecto frontal. Foi aí que passou a ser chamado de boca de sapo.

A qualidade do DS permitiu ainda salvar a vida do presidente Charles De Gaulle, durante uma tentativa de assassinato em 1962, quando 12 terroristas da OAS (Organisation Armée Secrète) abriram fogo sobre a viatura presidencial, precisamente um Citröen DS 19. Apesar de o carro ter sido atingido, o motorista do presidente conseguiu não perder o seu controlo graças, sobretudo, à suspensão hidropneumática.

23rd August 1962: A man examines one of the bullet holes in French president General de Gaulle's Citroen DS in Paris, after an assassination attempt in the Paris suburb of Le Petit-Clamart, on 22nd August 1962. (Photo by Keystone/Getty Images)

Alguns dos buracos de bala deixados no Citröen DS que transportava Charles De Gaulle. (Keystone/Getty Images)

O DS deixou de ser produzido em 1975, não sem antes vencer diversas competições, como ralis e safaris, entre eles o rali de Portugal de 1969, com Francisco Romãozinho ao volante. Foi também, durante muitos anos, usado como ambulância, além de ter tido diversas versões comerciais: de cabriolet a carrinha familiar. Tudo isto contribuiu para atingir o estatuto que tem hoje: é considerado um dos carros mais bonitos e influentes de sempre, não só para a revista Classic & Sports Car, como para os autores Daniel Denis e Thibaut Amant, que colocaram essa distinção em livro. Não admira, por isso que haja gente famosa a estimá-lo bem.

Hoje, ainda é possível arranjar com alguma facilidade um DS ou um ID em segunda mão. Os preços variam muito conforme o modelo e o estado de conservação: tanto se vêem exemplares funcionais, a precisar de algum restauro, por 3350 euros, como outros em estado mais razoável por 10 mil euros, ou já completamente restaurados (e bem) por mais de 20 mil.