O feitio, fomos aprendendo com os anos e os jogos, é peculiar. Uns dizem que é um mimado, uma criança presa num corpo de extraterrestre, outros justificam que, por ser tão exigente com ele próprio, acaba por tudo exigir também aos que o rodeiam em campo. Por isso refilava, chateava-se e, por vezes, amuava quando via os tais outros a rematarem, a tentarem a sua sorte em vez de olharem para o lado, fazerem-lhe um passe e tornarem-no, a ele, Lionel Messi, mais sortudo ainda. Foi assim com David Villa, campeão da Europa, do Mundo, da Europa outra vez e goleador por todo o sítio onde passou. E com Cristian Tello, também.
Um texto sobre o espanhol veloz que, no domingo, decidiu um clássico com três golos, a começar com a Pulga que vai com quatro Bolas de Ouro conquistadas e 23 hat-tricks feitos na liga espanhola? Sim. Porquê? Pois um dia, contra o AC Milan, para a Liga dos Campeões, Lionel Messi também apontou o dedo ao extremo espanhol, por este não lhe ter passado a bola para o pé esquerdo goleador. Ouviu das boas. “Quer sempre meter todos os golos possíveis. E para ser o melhor do mundo tens de ser assim: ambicioso”, chegou a contar Cristian, quando já tinha mudado de ares para o FC Porto e o Mundo Deportivo o questionou sobre o tema. “Fá-lo para ajudar e para que, na jogada seguinte, tu saibas que ele está ali”, acrescentaria.
Antes de arranjar broncas com Messi e de ficar pelo Barça durante três épocas, Tello estava escondido na equipa B. Andou por lá até 2011, quando Pep Guardiola, o careca mentor do carrossel de passes a que os espanhóis chamaram tiki-taka — hoje a dar ordens no Bayern de Munique — o puxou para o meio dos craques. “É um extremo puro. Tem algo que é muito difícil de encontrar, velocidade e golo. É uma bala”, acabaria por resumir o treinador, quando a primeira temporada do miúdo no Barça já ia a meio. Uma bala que nem precisa de admitir que, na mente, tem uma mira que só vê uma coisa — a baliza.
Às vezes é só para ela que Tello olha quando tem a bola perto dos pés e ergue a cabeça, para decidir o que fazer . Foi isso que, uma vez, irritou Lionel Messi e, já por algumas vezes, deixou Jackson Martínez a bufar, agora no FC Porto. “O jogador que não é egoísta, que não se chateia quando não é titular, quando vê que as coisas não lhe saem bem, ao nível da ambição, para mim não é futebolista”, argumentou Tello, em outubro, quando já levava cerca de dois meses a treinar e jogar como dragão. Talvez por isso se veja Cristian, tantas vezes, a preferir o remate ao cruzamento, ou mais uma finta a um passe para alguém que jogue na mesma equipa.
No domingo, contudo, das três vezes que ligou o modo arrancar, correr e desmarcar, e recebeu os passes que o deixara à frente da baliza, com a bola, o espanhol só podia rematar. Fê-lo sempre e chegou ao fim do clássico entre FC Porto e Sporting com um hat-trick — feito que já conseguira em janeiro de 2014, quando também marcou três ao Levante, nos quartos-de-final da Copa do Rey.
E quem lhe passou a bola em todos os golos? Lionel Messi. Nesse jogo, como no clássico frente ao Sporting, as corridas do extremo antes de marcar foram sempre iguais, iguaizinhas: encostou-se a uma das linhas do campo, esperou, e assim que alguém com a bola o viu, arrancou para o meio, em diagonal, a pedir um passe.
Aí, com o Barça, o extremo brilhou como pouco o fez na época passada. Apareceu em 30 partidas, sim, mas em 23 como suplente que se levantou do banco para pisar o relvado. Cristian Tello queria jogar mais para um dia regressar e triunfar no Barça. “Fazia poucos jogos de 90 minutos e gostava de ser um jogador constante. Ser jogador de 90 minutos, e não de 20 ou 30”, disse, citado pelo Mundo Deportivo, ao justificar a vinda para Portugal, em outubro, trazido por um empréstimo com duração de duas temporadas.
O objetivo era esse e Tello fez por cumpri-lo — hoje, em 31 jogos que já conta com o FC Porto, 19 começou-os a titular. Os três golos que o fizeram brilhar no clássico aumentam para seis a fatura da temporada, e ficar a dois de igualar o melhor que já fez (em 2012/2013, com o Barcelona). E cada vez parece estar a fazer o que Lopetegui, treinador com quem, em 2013, conquistou o Europeu de sub-21, com a Espanha, lhe pediu para fazer. “Ser mais constante no jogo, mais concentrado nas tarefas defensivas. Estar aberto, dar mais velocidade e amplitude à equipa”, enumerou, antes de confessar que o técnico também lhe pedira uma coisa — “melhorar no remate” e “ter mais ambição na cara da baliza”.
O espanhol parece estar a fazer por cumpri-lo e escolheu dar a maior prova no clássico. Tornou-se no 14.º homem a marcar um hat-trick num FC Porto-Sporting — algo que já ninguém conhecia, como dragão, desde que António Oliveira (sim, o do bigode) o fez em 1976/1977. E tudo veio do menino que chegou a ouvir um não do Barça, em 2008, e teve de ir aprender para o Espanyol, o rival da cidade, onde continuou a jogar à bola até que, em 2010, os blaugrana o chamaram de volta. Regressou, caiu no goto de Pep Guardiola, deu nas vistas e em agosto de 2013 até se estreou pela seleção espanhola. É para lá que, um dia, pretende retornar pela segunda vez e brilhar a sério. “A minha ideia é trabalhar para voltar”, sublinhou. A continuar assim, ficará difícil para o FC Porto o segurar quando o empréstimo terminar.
Gracias a todos, super feliz por este hat-trick con la camiseta del Porto y por la importancia del clasico!! @FCPorto pic.twitter.com/VZnFn3FuzZ
— Cristian Tello (@ctello91) March 1, 2015