Título: Armas, Germes e Aço: Os Destinos das Sociedades Humanas
Autor: Jared Diamond
Editora: Temas e Debates/Círculo de Leitores
Páginas: 664
Preço: 27,70€
Por que não tiraram partido as civilizações africanas da zebra, usando-a, como outras usaram o cavalo, na agricultura, nos transportes e na guerra? Por que razão não assistiu o ano de 1492 ao desembarque em Lisboa ou em Palos de la Frontera de uma frota azteca, seguida da subjugação da Península Ibérica, da destruição dos templos e ídolos dos indígenas e da conversão forçada destes ao culto de Tezcatlipoca e Huitzilopochtli?
O que impediu os habitantes da Nova Guiné de ter inventado a pólvora ou erguido catedrais? Se “no final da última Idade do Gelo, por volta de 11.000 a.C., todos os povos de todos os continentes eram ainda caçadores-recolectores”, porque razão alguns povos chegaram ao século XX ainda nessa condição, enquanto outros colocaram homens na Lua?
Muitos historiadores nunca puseram estas perguntas, assumindo que a história é como é e as suas causas profundas são insondáveis. Para outros, a resposta está na superioridade intelectual inata dos europeus.
Os muitos anos que Jared Diamond passou na selva da Nova Guiné nos seus estudos ornitológicos convenceram-no de que, descontando os contextos culturais, os habitantes daquelas paragens eram, em média, “mais inteligentes, mais alerta, mais expressivos e mais interessados nas coisas e nas pessoas que os rodeiam que o europeu ou americano médio”. Não havendo diferenças intelectuais, ou sendo estas até favoráveis aos neoguineenses, como justificar, então, a abissal diferença tecnológica que separa, actualmente, a Europa e os EUA da Nova Guiné?
Foi para dar resposta a este enigma que, em 1997, Diamond escreveu Armas, Germes e Aço, um fascinante e original panorama de 13.000 anos de história da humanidade. E a conclusão a que chegou foi que “as sociedades se desenvolveram de forma díspar nos diferentes continentes não devido à biologia humana” (más notícias para os que perfilham mundivisões racistas), mas devido às diferentes condições de partida em termos geográficos e ecológicos oferecidas por cada continente.
Cada povo fez o que pôde com as espécies vegetais e animais nelas existentes – os mais afortunados na lotaria geográfica e ecológica partiram à frente na corrida da agricultura e isso deu-lhes um avanço significativo em todos os outros estádios de desenvolvimento civilizacional.
Se a tese de Diamond explica convincentemente os diferentes estádios de desenvolvimento dos diferentes continentes na véspera da chegada de Colombo às Américas, A Riqueza e Pobreza das Nações (1998), de David S. Landes, retoma a narrativa onde Diamond a deixou e condu-la até ao século XX, numa explanação não menos perspicaz e iluminadora. Na senda de Landes, A Grande Divergência: A China, a Europa e a Constituição da Economia Mundial Moderna (2000), de Kenneth Pomeranz, História Global da Ascensão do Ocidente (2009), de Jack Goldstone, Civilização: O Ocidente e os Outros (2011), de Niall Ferguson, e 1493: A Descoberta do Novo Mundo que Cristovão Colombo Criou (2011), de Charles C. Mann, deram decisivos contributos para compreender a história global dos últimos 500 anos.
Curiosamente, três livros recentes nesta área, O Domínio do Ocidente (2010), de Ian Morris, Porque Falham as Nações: As Origens do Poder, da Prosperidade e da Pobreza (2012), de Daron Acemoglu & James A. Robinson, e O Declínio do Ocidente (2012), de Niall Ferguson, parecem decididos a impor as suas teorias à custa da menorização de Armas, Germes e Aço. Escreve Ferguson: “com o devido respeito por Jared Diamond, a geografia e os respectivos reflexos na agricultura poderão explicar por que razão a Eurásia teve melhor desempenho do que outras partes do mundo, mas não por que razão o extremo ocidental da Eurásia teve um desempenho tão superior ao do extremo oriental após o século XVI”.
Acemoglu & Robinson e Morris fazem críticas análogas, não compreendendo que a argumentação de Armas, Germes e Aço se centra nas sociedades agrícolas e se detém na viragem dos séculos XV-XVI. Este empenho em minar teorias alheias (Acemoglu & Robinson dedicam a essa missão todo o capítulo “Teorias que não funcionam”, que é a única mancha num livro de indiscutível mérito) parece resultar de uma mesquinha competição pessoal entre intelectuais (“a minha tese é melhor do que a tua”) e da incapacidade de entender que, em cada estádio de desenvolvimento da humanidade, há factores que se tornam preponderantes, mas perdem relevância noutro estádio.
Na busca de explicação para os factores que moldaram o desenvolvimento das várias regiões do globo não devemos entregar-nos incondicionalmente nos braços de uma teoria suprema que explica tudo e exclui todas as outras, mas antes recorrer a um mosaico de teorias de validade flutuante consoante a marcha da história. Ou seja, não há paradoxo em aceitar que são válidas (ainda que não necessariamente no mesmo período histórico) as teses de Diamond e Landes e Goldstone e Acemoglu & Robinson e Ferguson – e até pode somar-se-lhes Max Weber, pois o velhinho A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo tem contributos que não foram esvaziados pelos livros mais recentes. O mundo é demasiado complexo, vasto e transitório para que possa ser explicado por uma só teoria.
Armas, Germes e Aço acaba de ser publicado em edição revista e aumentada pela Temas & Debates (a 1.ª edição portuguesa, de 2002, fora da Relógio D’Água) e traz dois bónus: um instrutivo apêndice relativo ao Japão (região que Diamond tratara superficialmente na 1.ª edição) e à controversa origem do povo japonês e que conclui que este descende dos coreanos (um rude golpe para uma arreigada mundivisão japonesa que sempre encarou os coreanos como sub-humanos); e um inútil posfácio de 2003 em que, desconcertantemente, Diamond comete o mesmo equívoco que os seus detractores acima mencionados e quer convencer-nos de que Armas, Germes e Aço também explica a história do mundo nos últimos 500 anos.
Este deslize tardio de Diamond não belisca a obra: embora não sirva para nos elucidar sobre o que hoje separa a Coreia do Norte da Coreia do Sul ou a China da Dinamarca, Armas, Germes e Aço é um dos mais reveladores e poderosos livros de história global jamais escritos. E até dá resposta a uma das perguntas colocadas na abertura deste texto: não foi por falta de argúcia ou persistência que os africanos não usaram zebras para desempenhar as funções dos cavalos.
Acontece que as zebras são criaturas refractárias à domesticação, de temperamento intratável e com uma predisposição para morder quem as incomode ou contrarie que causa, anualmente, mais acidentes entre os funcionários de jardins zoológicos dos EUA do que os tigres. Após séculos de presença em África, as “superiores capacidades intelectuais” do homem branco não registaram mais progressos na domesticação da zebra do que os africanos.