O projeto do PS sobre alteração ao modelo de nomeação do governador do Banco de Portugal teve luz verde da maioria parlamentar, mas não sem antes ouvir críticas de todos os partidos, da direita à esquerda. Todos os partidos, à exceção do PS, abstiveram-se na votação. “Oportunismo”, “desorientação no largo do Rato”, “tiro de pólvora seca” ou uma “mera disputa entre PS e PSD a meses das eleições” foram algumas das expressões usadas pelos deputados para descrever a iniciativa legislativa socialista sobre a matéria. Os princípios de “transparência”, “independência” e “desgovernamentalização das entidades reguladoras” foram, de resto, consensuais.

Já antevendo as críticas, o deputado socialista Eduardo Cabrita garantiu logo, na sua intervenção inicial, que a iniciativa legislativa do PS chegava ao Parlamento “sem qualquer juízo partidário de curto prazo”. Antes pelo contrário, com “sentido de Estado e com sentido de responsabilidade”, movida por um “dever institucional” e uma urgência de calendário. O mandato do atual governador, Carlos Costa, termina no próximo mês de junho e, a ser aprovada a lei, o atual Parlamento (de maioria PSD/CDS) já terá uma palavra a dizer sobre a escolha do próximo nome.

O objetivo é “reforçar a independência do Banco de Portugal”, resumiu o deputado socialista, admitindo que a proposta que apresenta não vai tão longe quanto gostaria. “A nomeação devia passar pelo Parlamento mas também pelo Presidente da República”, insistiu.

Mas o Parlamento não se rendeu aos princípios de transparência e reforço da independência, apesar de todos os grupos parlamentares se terem mostrado favoráveis a eles. Da parte do PSD, o deputado Duarte Pacheco começou por destacar as “mudanças de opinião” e a “incoerência” do PS “quando se trata de lugares no Estado”, lembrando como nos anos anteriores foi o Governo PS que nomeou os últimos governadores, Vítor Constâncio e Carlos Costa, não tendo nessa altura feito qualquer proposta para alterar o modelo de nomeação.

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“Em 2015, o PS não é Governo e já quer alterar as regras. Até uma revisão constitucional propunham se fosse preciso, tal é a sofreguidão do PS pelos lugares do Estado”, disse Duarte Pacheco. A proposta de revisão constitucional para mexer com os poderes do Presidente da República acabou por cair e o PS ficou-se apenas pela audição parlamentar – “um recuo que só mostra desorientação no largo do Rato”.

No mesmo sentido foi a intervenção do deputado centrista Telmo Correia, que acusou os socialistas de “oportunismo” por querem “cavalgar demagogicamente a onda das críticas ao atual governador”, debaixo de fogo no caso BES. Ainda assim, o CDS destacou o “lado irónico do projeto de lei”, por levar o PS a “pôr a mão na consciência e a concluir que escolheu mal os dois últimos governadores”. Por essa razão, “por querem ouvir o Parlamento para fazer uma escolha melhor, é que vamos viabilizar o projeto”, disse Telmo Correia.

Na esquerda mais à esquerda as vozes uniram-se: é pouco, muito pouco. “Um tiro de pólvora seca”, disse a bloquista Mariana Mortágua. “Não nos podemos opor a introduzir alguma transparência, mas é isto e nada mais do que isto o que o PS propõe”, acrescentou, criticando o facto de a proposta socialista não ousar ir para o plano de conferir mais poderes de escrutínio ao Parlamento sobre a supervisão bancária. O deputado comunista Paulo Sá foi no mesmo sentido, dizendo que “esta alteração não resolve qualquer problema do sistema financeiro”. E mais: “Tendo em conta que esta nomeação se fará pouco antes das legislativas é óbvio que esta é só mais uma disputa por poder entre PS e PSD”.

Na apresentação do diploma, o deputado socialista Eduardo Cabrita tinha destacado o papel de cada vez maior centralidade do Banco de Portugal nos últimos anos para justificar a pertinência da iniciativa, lembrando que “em quase todos os países europeus” esta nomeação envolve uma intervenção alargada, não só dos Parlamentos nacionais mas também, em “muitos casos” do chefe de Estado.

A proposta de alteração do PS à lei orgânica do Banco de Portugal passa por fazer com que o candidato a governador seja ouvido no Parlamento antes de ser escolhido pelo Governo, à semelhança do que acontece com outros cargos como o de Provedor de Justiça. No projeto de lei, os socialistas propõem ainda que a composição do Conselho de Administração vá ao encontro do princípio da igualdade de género e assegure uma representação mínima de “33% de cada género”. Também este ponto mereceu críticas do Bloco de Esquerda, com a deputada Mariana Mortágua a deixar a nota, para memória futura: “paridade e igualdade de género é 50% e não 33%”.

A proposta baixa agora à comissão parlamentar, onde será discutida em sede de especialidade. No centro da discussão deverá estar a questão de a Assembleia da República ter de, depois de ouvido o candidato ao cargo, emitir um parecer para o Governo. É que, no diploma que hoje foi aprovado na generalidade, o PS não esclarece se esse parecer tem ou não caráter vinculativo. Ou seja, se o Governo é ou não legalmente obrigado a ouvir o Parlamento.

Apesar da aprovação, o deputado socialista Eduardo Cabrita garantiu que o PS não vai desistir de ir mais além. E avançou mesmo que os socialistas vão voltar a insistir na necessidade de implicar o Presidente da República na nomeação, independentemente de ter de se fazer uma alteração à Constituição, que desta vez foi recusada pela maioria. Tudo em nome da “desgovernamentalização das entidades reguladoras”, disse.