O antigo diretor-geral da Autoridade Tributária e Aduaneira admite que Paulo Núncio foi de longe o secretário de Estado “mais propenso a intervenções diretas” nos assuntos da administração fiscal, considerando o período de quase sete anos que esteve no cargo.
Em entrevista ao Expresso, José Azevedo Pereira foi questionado sobre se seria possível o secretário de Estado dos Assuntos Fiscais desconhecer a existência da lista ou bolsa de contribuintes VIP. O ex-diretor admite que sim, “de um ponto de vista conceptual”.
Apesar de ter a indicação de que Paulo Núncio não conheceria exatamente o procedimento que estava a ser testado para proteger a confidencialidade dos dados fiscais de personalidades públicas, Azevedo Pereira duvida que o secretário de Estado não tenha discutido com os dirigentes do fisco a divulgação pública de dados fiscais do primeiro-ministro, em outubro de 2014, no quadro do caso Tecnoforma.
“Se me perguntar se é provável que não se tenha preocupado com uma situação de acesso grave a dados do primeiro-ministro e que não tenha abordado diretamente a questão com os responsáveis da AT, e pedido ou exigido soluções, isso é altamente improvável”.
O tema da lista VIP foi levantado pelo líder do grupo parlamentar socialista, Ferro Rodrigues, num debate com o primeiro-ministro que logo rebateu a hipótese. A revista Visão publicou uma notícia sobre a existência da tal lista ou bolsa de contribuintes VIB, citando testemunhos de uma ação de formação onde o tema foi revelado. Em causa estaria a criação de um filtro no sistema informático que gerasse um alerta para as chefias, assim que fossem detetados acessos de funcionários a dados fiscais e de rendimento de figuras públicas, em particular políticos e figuras da economia.
A primeira reação de Paulo Núncio foi desmentir categoricamente a existência da tal lista de contribuintes VIP, só dias depois a secretaria de Estado admitiu que existiria qualquer procedimento irregular, tendo anunciado uma inspeção. Na sequência deste anúncio, o diretor-geral da Administração Tributária, que sucedeu a Azevedo Pereira no cargo, demitiu-se. O exemplo foi seguido pelo subdiretor da Justiça Tributária a quem o sindicato dos trabalhadores de impostos acusou de estar comprometido com a criação deste mecanismo de defesa de contribuintes VIP. Apesar de toda oposição pedir a sua cabeça, o secretário de Estado do CDS resistiu. Questionado sobre se os dirigentes demitidos foram bodes expiatórios, Azevedo Pereira defende que “a responsabilidade não se delega”.
O antigo dirigente do Fisco questiona ainda a necessidade de um espetáculo mediático como o que acompanhou a ida dos inspetores à Galp e a à REN, quando estas empresas decidiram não pagar voluntariamente a contribuição sobre a energia. “Não consigo perceber qual a vantagem de natureza não política de um show daquele género”.