A inflação baixa é uma das maiores ameaças ao equilíbrio das contas públicas de países como Portugal, em particular no que toca ao controlo da dívida pública. No relatório mais recente sobre as finanças públicas dos vários países, o Fiscal Monitor do Fundo Monetário Internacional (FMI) alerta para a dimensão significativa do impacto dos preços baixos na dinâmica de redução da dívida.

O documento, divulgado nesta quarta-feira e cuja elaboração está a cargo da equipa coordenada por Vítor Gaspar, ex-ministro das Finanças, realça que “a inflação muito baixa e um crescimento fraco têm um efeito adverso na dinâmica da dívida em muitas economias desenvolvidas. Apesar do significativo esforço de ajustamento realizado desde 2010 e os preços baixos recorde que se estão a verificar nos juros das obrigações em mercado secundário, o rácio médio da dívida permanecerá acima dos 100% do Produto Interno Bruto (PIB) e só deverá começar a recuar lentamente nos anos seguintes”.

A dimensão relevante do impacto da inflação baixa é visível numa simples simulação: se o crescimento nominal atingisse 4% até 2017 em países que atualmente têm crescimento lento e inflação baixa, o peso da dívida no PIB seria seis pontos percentuais mais baixo em 2020, do que no atual cenário. “Para alguns países, (Áustria, Bélgica, Itália, Japão e Portugal), o impacto poderia atingir os 10 pontos percentuais”, realça o relatório do FMI.

As atuais previsões do Fundo para a Portugal combinam os dois fatores negativos: A economia deve crescer a um ritmo modesto: 1,6% em 2015 e 1,5% em 2016, e a evolução dos preços continuará limitada, sobretudo este ano: inflação de 0,6% em 2015 e de 1,3% em 2016. Para Portugal chegar a 4% de crescimento nominal, seria necessária uma inflação da ordem dos 2,5%.

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Não obstante, estas projeções o Fundo Monetário Internacional revê em ligeira baixa a trajetória da dívida portuguesa em relação ao documento de outubro de 2014. Ainda assim, a dívida pública irá continuar acima dos 120% do PIB até ao final da década, fixando-se em 120,9% em 2020. Nas previsões do Fundo, a dívida bruta terá atingido o pico no ano passado, 130,2% do PIB, devendo começar a baixar este ano para 126,3% do PIB e 124,3% em 2016.

Portugal entre os quatro países ricos com maior esforço para refinanciar dívida

Apesar das amortizações antecipadas e dos juros baixos (ou pontualmente negativos no mercado secundário), as necessidades de refinanciamento de Portugal continuam a ser das mais elevadas nas economias avançadas em percentagem do PIB, superando 20% em 2015 e baixando para 17,5% em 2016 e para 16,7% no ano seguinte. Considerando apenas este ano, apenas três dos 26 países analisados terão de suportar um esforço relativo maior para refinanciar a sua dívida: Itália, Japão e Espanha. 

A redução da dívida será essencialmente por via do crescimento económico, na medida em que o défice público vai continuar, pelo menos nos próximos dois anos. O FMI mantém uma previsão de défice para este ano superior à do governo, de 3,2%, mais inferior à estimada em outubro. Segundo o Fundo, só em 2016, Portugal vai conseguir um défice abaixo dos 3% do PIB, de 2,8%, como determinam as regras do euro.

Fora destas projeções estão contudo efeitos extraordinários como o impacto orçamental da resolução do Banco Espírito Santo (BES) e as alterações das regras de contabilidade. As contas partem ainda do pressuposto de que foram adotadas medidas adicionais de consolidação orçamental em 2015, e acordadas com a União Europeia, mas não refere que medidas são essas.

Petróleo barato dá margem para folga orçamental

A equipa de Vítor Gaspar, que lidera o departamento de assuntos orçamentais do FMI, analisou ainda o impacto da descida do preço do petróleo nas finanças públicas. De uma maneira geral, esta realidade penaliza as contas dos países produtores, e alivia as finanças dos importadores como Portugal.

O impacto nas contas públicas dos países importadores onde os preços estão liberalizados será sobretudo indireto e sentido ao nível da subida das receitas fiscais, que resultará de uma maior dinâmica económica. Esta folga orçamental deve, defende o FMI, ser aproveitada para criar almofadas orçamentais ou reformar o sistema fiscal, desviando impostos sobre o trabalho para a energia, o que foi feito em Portugal de forma limitada com a reforma verde.