Discurso de Sophia de Mello Breyner, então deputada do PS, proferido na Assembleia Constituinte a 1 de Agosto de 1975:
“Portugal inteiro acolheu o 25 de Abril com uma alegria que não esqueceremos. A revolução que então vimos pareceu-nos a revolução exemplar. Mas, desgraçadamente, dia após dia a revolução tem estado a ser desvirtuada pelo abuso e pela avidez de poder das falsas vanguardas ideológicas.
Tem-se feito a política da capital; e não a política de Portugal.
Apesar do descontentamento crescente evidente e justo do povo português, a revolução tem estado constantemente a ser liderada pelo maximalismo literato dos falsos intelectuais de Lisboa, pelo faccio. É preciso que neste momento aqueles que têm o poder ouçam com atenção a voz e a vontade popular, porque a revolução fez-se para mudarmos a vida política, económica e social deste país e não para mudarmos de povo.
Logo após o 25 de Abril, Portugal começou a ser assolado por um processo demagógico vergonhosamente primário e falsificante. A demagogia é a pornografia da política. Temos visto um país inteiro transformado em supermercado de slogans. (…)
Por isso, neste momento, é com a maior preocupação que ouço falar neste projecto que integraria o Secretariado de Estado da Cultura no Ministério da Comunicação Social. Ligar a cultura a Ministérios de Comunicação ou Informação é repetir aquilo que foi feito no salazarismo do SNI, no nazismo de Goebbels e no fascismo italiano.
(Uma voz: Apoiado!)
Qualquer pessoa que tenha um mínimo de consciência cultural sabe que a cultura é uma das formas de libertação do homem. E que, por isso, perante a política, a cultura deve sempre ter a possibilidade de funcionar como antipoder. (…) Não podemos esquecer que a História tem demonstrado que existe uma profunda solidariedade entre a liberdade de um povo e a liberdade da sua cultura.
E este ano que passou mostrou-nos claramente que a falta de liberdade tem impedido a cultura de criticar a política. Criou-se um ambiente de inquisição e de intimidação em que aquele que critica é imediatamente acusado de contra-revolucionário, de reaccionário e até de fascista.
(Vozes: Apoiado!)
O assalto aos órgãos de informação, organizado pelas falsas vanguardas ideológicas, não foi só um assalto à liberdade de um país: foi também um assalto à verdade, à liberdade, à consciência crítica da revolução. Por isso, protesto contra qualquer forma de integração da Secretaria de Estado da Cultura no Ministério da Comunicação Social. Não posso aceitar que à cultura do meu país seja imposto um esquema herdado do totalitarismo. (…)
Queremos estruturas culturais para o socialismo, não queremos estruturas culturais para o totalitarismo. Queremos estruturas culturais para a revolução cultural, e não queremos estruturas culturais para o dirigismo.”