Quando o telemóvel acorda e quer atenção tem dois truques na manga: toca para chatear os ouvidos e vibra para lembrar que está vivo no bolso ou na mala onde o guardam. São coisas normais e que acontecem quando alguém tem vontade de falar com outro alguém, só que não o pode fazer em pessoa. Mas normal já não é pegar-lhe, olhar para o ecrã ver um +61 ou um +33 a aparecerem antes de uma catrefada de números. Esses foram os indicativos das chamadas que José Mota, a brincar ou não, disse ter recebido da Austrália e de França, de pessoas “surpreendidas” por saberem que, em Barcelos, estaria no relvado o mesmo árbitro de há meses, do jogo da primeira volta.

Se esse homem do apito ligasse a alguém conhecido lá apareceria no telemóvel o nome “João Capela”. Talvez o Gil Vicente o deixasse pendurado, já foi a ele que torceu o nariz e criticou depois do encontro da primeira volta, na Luz. Quase não se falou noutra coisa durante a semana, mas, como diria Jorge Jesus, “é normal, são coisas do futebol”. Talvez. Porque o futebol também tem coisas como, a três jornadas para o fim de um campeonato, o homem que manda na equipa que lidera com três pontos a mais que o segundo, arriscar num jogador que já não sabia o que era começar um jogo fora do banco há mais de três meses. Mas Jesus chamou Miralem Sulejmani, o sérvio atendeu e lá foi ele ser um extremo canhoto.

Gil Vicente: Adriano; Gabriel, Berger, Cadú e Evaldo; Ruben Ribeiro, Semedo e Vítor Gonçalves; Avto, Yazalde e Mohsen.

Benfica: Júlio César, Maxi Pereira, Luisão, Jardel e Eliseu; Samaris, Pizzi, Gaitán e Sulejmani; Lima e Jonas.

E foi-o porque no estaleiro estavam as arrancadas de Salvio e no olhar desconfiado do treinador ainda estava focado Ola John. Não era normal ter Sulejmani ao lado de Gaitán, Jonas e Lima, mas usual também não era partilhar relvado com uma equipa que, a cada tabela ou três passes trocados pelo Benfica no ataque, desmontava a pouca organização que tinha e parecia ter cada jogador a construir a sua própria auto-estrada para os encarnados passarem. E não as fechavam nem quando quem vinha de Lisboa até avisava e mostrava por onde e como queria passar. Tal como aos 15’, quando Pizzi e Samaris fugiram do centro do campo, os gilistas não acharam estranho e deixaram que Jonas recuasse uns metros e pedisse que lhe atirasse um passe para o pé.

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Tanto tempo teve para se virar que calma houve para tocar para Lima e para também o brasileiro esperar, com calma, pela corrida na diagonal de Sulejmani, o sérvio que vinha a sprintar desde a direita, recebeu a bola e, só com o guarda-redes à frente, preferiu passar sem olhar para o lado, confiando no pressentimento que lhe dizia que Maxi Pereira iria aparecer ali. Tanto foi que seria o uruguaio a fechar uma jogada das bonitas com o golo. Entre o 1-0 e o 2-0 ainda o Gil Vicente teve um lançamento lateral que foi parar a Yazalde, dentro da área, e deu-lhe uma bola para rematar e obrigar Júlio César a uma defesa das difíceis.

Depois, em vez de uma troca de passes a acelerar as coisas, foram as pernas de Nico Gaitán que, na esquerda, levaram a bola a passear até mesmo à linha de fundo, antes de o pé canhoto a levantar, com jeito, num cruzamento que sobrevoou Adriano e parou no pé direito de Jonas, que de primeira fez três coisas — deu o segundo golo do Benfica no jogo, fez o 17.º do brasileiro na liga e igualou Jackson Martínez no topo da lista dos homens que mais vezes remataram bolas para dentro das balizas em Portugal.

Mesmo que os encarnados fosse abrandando até ao intervalo, o Gil Vicente continuou a parecer um grupo de jogadores com cada um a defender por si do que uma equipa organizada para saber parar um adversário. Por isso, mesmo que quisesse, e queria, pressionar o Benfica lá à frente, os gilistas eram uma e outra vez ultrapassados pela bola que tentavam roubar. Só aos 33’, quando Ruben Ribeiro bateu para a área um livre que o chamou quase até ao meio campo, é que a cabeça de Cadú voltou a rematar uma bola que obrigou Júlio César a sujar o equipamento na relva. E tudo o resto ia acontecendo sempre que os encarnados quisessem.

Era essa a sensação que o jogo dava. Um exemplo: quando toda a gente voltou dos balneários, a primeira jogada da segunda parte, mal o Benfica recolocou a bola a rolar, acabou com Lima a arrancar mal o árbitro apita, a receber a bola, a abrir em Pizzi na direita e os encarnados a terem logo um canto. O Gil Vicente parecia estar a dormir e, se estava, foi acordado logo a seguir, quando uma cabeçada de Luisão deu ao jogo o 3-0 no tal canto. No relógio viam-se 46 minutos contados. Era “a amostra da falta de agressividade da equipa durante todo o jogo”, diria José Mota no final. E essa só não apareceu outro golo no minuto seguinte porque Miralem Sulejmani preferiu rematar contra Adriano quando se isolou e, ao lado, tinham também Lima sozinho, na pequena área.

Os gilistas, mesmo já com três chamadas de alerta, com telefonemas insistentes de Jonas e Lima, entrem quem qualquer tabela e passe acontecia, ou de Pizzi, que feito extremo (Gaitán saíra lesionado na primeira parte) cruzava quando lhe apetecia, parecia não acordar para a necessidade de arranjar tino e cabeça para a missão de arranjar pontos na aventura da equipa para se aguentar na primeira liga. Mas não, nenhuma chamada era atendida pelos de Barcelos, que pareciam ter mais vontade em atacar do que em defender e, por isso, os encarnados continuavam a multiplicar o número de chamadas.

E a confiança de que o Gil Vicente não atenderia nenhuma ia aumentando. Tanto que até Jonas chegou a parecer ter nas pernas tanta velocidade como a técnica e fineza que tem nos pés, quando aos 59’ ultrapassou Cadú com a bola e, já perto da linha de fundo, picou a bola e deu-lhe as coordenadas da cabeça de Lima, que deu ao Benfica o 4-0 e ao brasileiro o 15.º golo no campeonato. Até as jogadas bonitas e ao primeiro toque lá iam aparecendo, com os pés dos dois avançados da Luz à mistura, os tais que, aos 70’, montaram a jogada que acabou em Lima a rematar para Adriano defender e Maxi corrigir o ressalto para a baliza.

Estava feito o 5-0 e pronto, os encarnados lá deixaram o telemóvel em paz. José Mota bem o agradecia enquanto Jorge Jesus talvez sorrisse com o facto de, mesmo acontecendo tarde no campeonato, visse o Benfica a abrandar só quando já tinha a vitória no papo e não após marcar o primeiro golo, como tantas vezes o fez em anteriores jogos longe da Luz. E tão tranquilo foi desta vez que, na segunda parte, só umas fintas e arrancadas de Diogo Viana, pela direita, sacudissem para o lado do Gil Vicente um jogo que o Benfica sempre manteve virado para o seu lado.

E agora? Agora é deixar o telefone quieto para só lhe voltar a tocar mais três vezes, duas delas no conforto de casa — contra o Penafiel na Luz, frente ao Vitória em Guimarães e diante do Marítimo, de novo na Luz. Deste trio que falta, os encarnados só têm de ganhar dois jogos para serem bicampeões, isto caso o FC Porto consiga vencer as partidas que lhe faltam.