Esta sexta-feira foi o último dia em que o Parlamento discutiu a situação do Banco Espírito Santo e Grupo Espírito Santo, mas os efeitos da comissão de inquérito ainda vão perdurar. Para já há duas consequências que vão ressoar nos próximos dias: uma política e outra legislativa. Em termos políticos, discute-se a renovação ao mandato de Carlos Costa à frente do Banco de Portugal e, ao contrário do que aconteceu no relatório do inquérito, PS e PSD não falaram no mesmo tom. PS apontou o dedo, PSD elogiou o papel do líder do BdP. Em termos legislativos, os socialistas defenderam um papel mais ativo da Assembleia da República no controlo da gestão do sistema financeiro.
“O Banco de Portugal detetou tarde, desenhou uma estratégia que fracassou, teve acesso a informação relevante que não comunicou ao mercado e decidiu negociar a estratégia a seguir com Ricardo Salgado. E com isso deu um sinal errado aos outros bancos. Fazíamos mal se não tivéssemos analisado e escrutinado a ação dos reguladores”, disse o deputado do PS, Pedro Nuno Santos.
A posição dos socialistas está vertida no relatório da comissão de inquérito, feito por um deputado do PSD, onde o Banco de Portugal é apontado como um dos responsáveis pelo que aconteceu ao BES. Mas desta vez, a posição pública do PSD foi diferente. Carlos Abreu Amorim, coordenador dos sociais-democratas na comissão, preferiu dizer que “as pessoas neste caso importam” e teceu um elogio à ação de Carlos Costa: “Teve a capacidade de proteger o sistema financeiro e o interesse nacional numa altura em que ninguém julgava que seria possível”, disse.
A posição dos dois partidos é importante numa altura em que se discute a continuidade ou não do Governador à frente do Banco de Portugal. O mandato termina no próximo mês e ainda não é certo se Carlos Costa, escolhido pelo Governo PS, não se mantenha à frente da instituição. É um dos cargos que será negociado entre socialistas e sociais-democratas.
Além do PS e PSD, também o BE e o PCP falaram sobre a ação do regulador. A posição dos socialistas foi acompanhada pelo Bloco de Esquerda e pelo PCP. Miguel Tiago, deputado do PCP, o partido que pediu a constituição da comissão de inquérito, lembrou que “o papel do Banco de Portugal não foi o de garantir a confiança no BES, mas o de forjar essa confiança, dizendo aos portugueses que o BES era sólido e robusto, mesmo quando se sabia não ser. Os reguladores e supervisores são afinal a mentira que o neoliberalismo inventou para nos fazer acreditar na banca privada”. Também a deputada do BE, Mariana Mortágua, lembrou a “inação” do regulador: “O BES era o GES porque a lei nunca impediu uma confusão que o Banco de Portugal não soube ou não quis desfazer”.
Parlamento mais ativo
Além da consequência política, a comissão de inquérito terá consequências legislativas. Os vários partidos ou já apresentaram ou vão apresentar alterações legislativas. E esta sexta-feira, o PS, que tem prometido pensar no assunto mas a frio, lançou para o debate mais uma ideia: um reforço do papel do Parlamento na fiscalização do sistema financeiro.
No debate final, o deputado Pedro Nuno Santos lançou que é preciso “repensar o papel do Parlamento na garantia [da estabilidade] do sistema financeiro (…). O Parlamento nesta matéria veio para ficar. É preciso que o sistema financeiro saiba que há hoje um Parlamento atento”, sublinhou. A ideia foi lançada depois de o deputado dizer que se baterá para que também os poderes que são atribuídos ao Governo, sejam também cumpridos: “Era importante que fique claro para o futuro qualquer governo tem de assumir e cumprir as competências que lhe estão atribuídas por lei”.
Sobre a ação do Governo, a maioria prefere insistir na ideia que a ação do Executivo de Passos Coelho serviu para que desta vez os contribuintes não pagassem a fatura: “Ao contrário do BPN esta conta não foi para o contribuinte”, disse a deputada do CDS, Cecília Meireles.
Sobre o papel do Governo, a esquerda acompanha o PS nesta matéria. Mariana Mortágua fez a quadratura do círculo: “É difícil acreditar que o Governo nunca tenha tomado conhecimento ou participado na intervenção do BES. Mas, se o que diz é factual, então o alheamento e desinteresse face ao destino do maior grupo português é verdadeiramente irresponsável”.
Pelo PCP, Miguel Tiago disse que “as responsabilidades políticas começam com o aprofundamento da política de direita e prolongam-se através dos sucessivos governo que partilharam com o BES e o GES inúmeros quadros”. Mas mais do que isso, para o PCP, a comissão de inquérito tem de ter outras consequências, é que apesar das promessas de que um caso destes não voltará a acontecer, diz, “José Maria Ricciardi continua administrador de um banco”.