Até podia parecer uma brincadeira: viam-se caras borradas com tinta e cada um tinha o cabelo pintado à sua maneira. Podia ser só ligar o computador, pousar as mãos no teclado, dar corda aos dedos e escrevinhar qualquer coisa sobre o jogo. Mas não. Isto era coisa séria e bastava olhar para as bochechas e a testa de quem ali mandava para perceber porquê — tinha um 32, um 33 e um 34 pintados na cara, a mostrarem o número dos campeonatos que o Benfica ganhou por obra do treinador. Porque Jorge Jesus não brinca e a equipa, diz ele, também “não sabe o que é brincar”. Mas festejar é outra coisa.

O estádio, à pinha de gente, gritava “campeões”. Viam-se sorrisos por todo o lado e quem vestia de encarnado estava contente. Era dia de celebrar o título, o caneco que a equipa garantiu na penúltima jornada para poder fazer a festa na última, em casa. Os jogadores queriam caprichar para adepto ver e o primeiro quarto de hora esteve recheadinho de jogadas ao primeiro toque. Com um calcanhar aqui e ali e uns passes a desafiarem as leis da probabilidade. Mas foi uma coisa banal, um lançamento lateral dos longos, vindo dos braços de Eliseu, aos 6’, que deu ao Benfica o 1-0 e a Lima o 18.º golo no campeonato. Rebentava a festa.

Parecia brincadeira. Os encarnados atacavam até mais não e tudo resultava para fazer a bola ir ter com os avançados, que ali estavam à caça de golos para apanharem os 21 de Jackson Martínez. Agora Lima já estava igual a Jonas, e Jonas só não se afastou porque viu um pimpampum de ressaltos não deixar que um remate vindo do seu pé entrasse na baliza, aos 15’. E esta jogada deve ter carregado em algum botão mental, porque depois os encarnados mudaram — começaram a ver-se mais passes errados do que certos, erros de um jogo entre solteiros e casados e pés moles a dividirem ressaltos. Isto do lado do Benfica, já que o Marítimo crescia à boleia de Danilo e puxado pelos sprints de Marega, o matulão avançado que tornava negra a tarde que Luisão e Jardel esperavam que fosse de festa.

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Sobretudo estes dois, começaram a mostrar que também não queriam brincar. O avançado, aos 16’, correu com a bola até chegar à linha, cruzou para Xavier, perto da marca de penálti, rematar — e deixar Júlio César, com uma parada das grandes, mostrar porque, por muito trintão que seja, ainda aí está para defender as curvas das bolas mais difíceis. As mais fáceis, porém, são outra coisa. Como a que, aos 31’, saiu frouxa e rasteira do pé de Marega, cruzada para a área, à procura de um Danilo que esticou o pé, mas nem lhe chegou a tocar, quando já bem perto estava do guarda-redes. Resultado: Júlio César atrapalhou-se com o toque que chegou a existir e deixou a bola entrar.

A festa murchava um bocadinho e a bomba que, pouco depois, Danilo disparou por cima da baliza, não ajudou. Nem o golo que não chegou a ser de Marega, num canto, porque o avançado estava em fora-de-jogo. Os madeirenses iam ficando cada vez mais intensos do que os encarnados e até Jesus sofreu com isso, quando Danilo se desequilibrou junto à linha, chocou contra o treinador e fez com que Jesus desse uma cambalhota para trás. A equipa não terá gostado de ver o treinador “aos papéis” porque, pouco depois, inventou um contra ataque dos rápidos: Salvio arrancou, esperou até ver uma nesga por onde rasgar um passe para Lima e o brasileiro, à saída de Wellington, picou a bola. Foi golo, não dele, mas de Jonas, que em cima da linha, pelo sim pelo não, rematou a bola para confirmar que um defesa do Marítimo não a cortava. Era o 2-1 e o 19.º golo para o avançado. Jackson estava mais perto.

O intervalo é sempre tempo de conversas. Aqui ninguém é bruxo, mas, no balneário, a mensagem se calhar foi só uma — restavam 45 minutos para dar golos aos dois avançados da equipa. E isso foi tão claro como a água. O Benfica começou a construir jogadas que, desse por onde desse, tinham de terminar com um remate de Lima ou Jonas. O segundo parecia querer mais que o primeiro e, aos 55’, inventou uma jogada de craque: arrancou com a bola, vestiu um chapéu a Bauer — passar-lhe a bola por cima e ir buscá-la mais à frente — isolou-se e, já perto da baliza, rematou ao lado.

Antes houve um remate de Lima, depois viu-se outro de Talisca, e a seguir chegou apareceu um golo. O de Lima, após Samaris levantar a bola e mandá-la ir ter com a corrida de Maxi que, já na área, cruzou para o brasileiro ficar taco-a-taco com Jonas nos 19 golos marcados. Esta brincadeira ficava engraçada e mais teria ficado se, aos 66’, Jonas não tivesse desperdiçado um golo dos cantados e, aos 69’, o árbitro não tivesse apitado um fora-de-jogo que não existiu para tirar um golo ao avançado. O brasileiro desesperava: sprintava até ao árbitro, usava o dedo indicador para dizer-lhe que não e refilava. Mas ficou picado. Passou a ser ele contra o mundo e Jonas passou a querer a bola para com ela ultrapassar tudo e todos.

Parecia só faltar dois golos de um dos avançados para a festa ser da grossa. Pelo meio, contudo, viu-se um azar, o de Salvio, que fez uma rotação estranha e depois caiu agarrado ao joelho direito. Saiu do relvado deitado numa maca e com as mãos a taparem-lhe a cara. O estádio até se calou. O azar do argentino foi a sorte de Mukthar, o novato alemão que entrou para ter minutos de campeão. Depois a equipa continuou a jogar para os avançados e, aos 82’, calhou que Silvío, encostado à linha, tivesse Jonas mais perto, na área: passou-lhe a bola e o brasileiro, de primeira e com a canhota, rematou e marcou. O 3-1 pouco importava — Jonas correu até à baliza, pegou na bola e apressou-se a levá-la a passear até ao meio campo. Só lhe faltava um golo para acabar a época como o melhor marcador do campeonato.

Foi por pouco, mas, em 34 jogos feitos esta época, Jonas marcou 30 golos. Foto: José Sena Goulão/LUSA

Foi por pouco, mas, em 34 jogos feitos esta época, Jonas marcou 30 golos. Foto: José Sena Goulão/LUSA

E até ao fim foi Jonas, Jonas e mais Jonas. Não era brincadeira nenhuma e os próprios adeptos levavam a tarefa bem a sério, quando, às tantas, até assobiaram Talisca por rematar à baliza ao invés de passar a bola ao avançado. Todas as jogadas tinham de acabar no brasileiro que, estafado e com as meias já a meio das pernas, ia correndo e correndo à procura do golo. Os encarnados tinham toda a pressa do mundo, mas nem essa chegou para Jonas conseguir rematar outra bola para dentro da baliza. O brasileiro acabou a olhar para o céu e a encolher os ombros. Foi por pouco, mas talvez esse pouco apareça na próxima época.

Não conseguiu, mas, 31 anos volvidos, o Benfica fechou um campeonato com dois amigos do golo no pódio dos melhores marcadores — a última vez fora com Nené (21) e Diamantino (18), em 1983/1984. Agora, Jonas e Lima, os pistoleiros, acabaram com 20 e 19 golos, e não foi desta que Jorge Jesus voltou a treinar um homem até ao topo dos goleadores (só aconteceu com Óscar Cardozo, em 2010). E desta vez não houve brincadeira nenhuma e a equipa tudo fez para que tivesse alguém a repetir a façanha. O importante, afinal, já estava garantido — o caneco do campeonato, o mesmo que, no final do jogo, os jogadores do Benfica ergueram no relvado. Até para o ano, campeão.

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