O que distingue António Costa, Rui Tavares, Marinho e Pinto, Joana Amaral Dias, Catarina Martins ou Jerónimo de Sousa? A oferta vai aumentar à esquerda nas próximas eleições legislativas. Com base nas entrevistas ao Observador, sistematizamos as principais diferenças entre as propostas de partidos novos como o PTP/Agir, o Livre/Tempo de Avançar ou o PS e PCP em matérias como a reestruturação da dívida pública, coligações de governo e a crise grega. Será que há pontos de encontro?
A necessidade de reestruturar ou não a dívida pública acabou por sentar na mesma mesa o secretário-geral socialista e o líder do Partido Democrata Republicano, Marinho e Pinto – os dois são os únicos que não defendem abertamente a renegociação da dívida.
Quando o assunto são as propostas dos socialistas, a parceria inverte-se: sai Marinho e Pinto e entra Rui Tavares. Mas com muitas reservas da parte do Livre: reduzir a TSU é brincar aos “aprendizes de feiticeiro”, defende o historiador. Todos os restantes líderes partidários dizem que o PS representa “mais do mesmo”.
Diferenças, diferenças, existem quando o assunto é ser Governo ou não ser Governo. Rui Tavares e Marinho e Pinto não o enjeitam; Joana Amaral Dias e Jerónimo de Sousa não lhe fecham a porta, mas dizem que com PS, PSD e CDS “nunca”; Catarina Martins prefere que o Bloco que se afirme “como alguém põe o dedo na ferida”.
E sobre o Governo Syriza? António Costa diz que foram tontos na forma como conduziram as negociações e Marinho e Pinto concorda. Rui Tavares, Joana Amaral Dias e Catarina Martins criticam a posição negocial da União Europeia, mas Jerónimo de Sousa vai mais longe e diz mesmo que o melhor é sair da Zona Euro.
1. A dívida deve ser reestruturada?
- António Costa: Compromissos com a Europa têm de ser respeitados
Ainda que não se tenha pronunciado diretamente sobre a questão da reestruturação da dívida, o líder do Partido Socialista acabou por arrumar o assunto: “O compromisso que assumimos [PS] é que o nosso ‘plano A’ é cumprir as metas acordadas com Bruxelas nos termos em que elas estão”. Ou seja, é possível assumir que não há espaço para a renegociação da dívida no programa do partido.
- Rui Tavares: “É essencial”
Apontado como o potencial parceiro de coligação de António Costa caso os socialistas não alcancem a maioria absoluta, Rui Tavares assumiu a reestruturação da dívida portuguesa como uma bandeira. “Esse debate é uma necessidade. A reestruturação é essencial não só para Portugal, para Grécia, para os outros países da zona euro que são deficitários, mas essencial para toda a zona euro. E essa é uma bandeira da qual não abrimos mão, ela é nossa e achamos que não deve ser só nossa. Quando as dívidas atingem níveis tão elevados é preciso atacar o problema pela raiz“. Negociar a dívida, sim, mas dentro da Europa, defende Rui Tavares.
- Marinho e Pinto: “Temos que saldar as nossas dívidas”
O recém-eleito presidente do Partido Democrático Republicano (PDR) também não respondeu diretamente à questão. Ainda assim, é possível extrair algumas pistas das suas palavras. Marinho e Pinto acredita que é urgente “moderar a austeridade” e seguir o caminho que já está a ser trilhado por “Mario Draghi, Juncker” e “pelos governos italiano e francês”. Por outro lado, “é óbvio que temos que saldar as nossas dívidas”, defende. Ou seja, tem de ser encontrado um caminho alternativo, diz. Mas a reestruturação da dívida não é, para já, uma bandeira do PDR,
- Catarina Martins: “Claro”
A coordenadora do Bloco de Esquerda foi peremptória: as dívidas gregas e portuguesas têm de ser renegociadas. Catarina Martins reconhece que vai ser “difícil”, mas este “não é tempo de desistir”. É preciso “forçar a negociação”, até porque “baixar a dívida pública” é uma questão “de soberania essencial“.
- Joana Amaral Dias: A dívida não é “legítima”
A fundadora do movimento cívico Agir, que nestas eleições vai concorrer coligada com o Partido dos Trabalhadores Portugueses (PTP), defende uma “auditoria cidadã à dívida” para perceber que fatia de dívida deve ser paga e “qual é a percentagem da dívida que corresponde ao Oliveira e Costa, ao João Rendeiro, ao Ricardo Salgado e que nós não temos de a pagar”. Mais: mesmo depois dessa auditoria “veremos se temos capacidade de pagá-la, mantendo a dignidade e a honra dos portugueses”, defende Joana Amaral Dias.
- Jerónimo de Sousa: É necessária uma “moratória”
Renegociação, sim, mas não de forma unilateral. “Nós não dizemos ‘não pagamos’, o que dizemos é ‘com este ritmo chegará um momento em que não poderemos pagar’, que é uma coisa diferente”, explicou Jerónimo de Sousa. O que propõe o PCP é um processo que envolva “outros países na mesma situação que o nosso” e que no final seja encontrada uma solução que pode passar, por exemplo, pela aplicação de “uma moratória”.
2. O programa do PS é de esquerda?
- António Costa: “Aliviar o garrote financeiro”
Embora não defina o seu programa como de esquerda ou de direita, o secretário-geral do PS distanciou-se das políticas de austeridade que a coligação PSD/CDS tem conduzido. A receita de António Costa é clara: “aliviar o garrote financeiro sobre as famílias – em particular a classe média”, tendo em “conta a fragilidade da liquidez das empresas“. E quanto à medida que prevê a redução da TSU dos trabalhadores? “Absolutamente intocável”, respondeu Costa.
- Rui Tavares: “Interessante”, mas insuficiente
Desafiado a comentar o documento macroeconómico do PS, Rui Tavares disse que “há medidas interessantes. Medidas de estímulo à economia, medidas que demonstram que o PS tem um diagnóstico em relação à crise que é diferente do diagnóstico da direita“. Ainda assim, o texto é, fundamentalmente, “social-liberal, por vezes até liberal-social” e, por isso, insuficiente. Sobre a descida da TSU, Rui Tavares foi mais longe: “Estamos a jogar aos aprendizes de feiticeiro. Não é pela TSU que as nossas empresas sofrem de défices de competitividade”.
- Marinho e Pinto: “É mais do mesmo”
O presidente do PDR mostrou-se descrente em relação às ideias apresentas por António Costa e, tal como Rui Tavares, criticou duramente a descida da TSU. “É possível moderar a austeridade, mas dizer que se vai diminuir a TSU, criar problemas à sustentabilidade da Segurança Social, é grave. Não é politicamente honesto. [De resto], é mais do mesmo”.
- Catarina Martins: Os socialistas assumem “completamente o discurso de direita”
A coordenadora do BE afinou pelo mesmo diapasão: este documento não só não é de esquerda, como acaba por se aproximar do programa da maioria. E apresentou dois argumentos para sustentar a sua tese: primeiro, porque o PS diz que vai “cumprir metas [europeias] que sabe à partida que sabe que são impossíveis. Depois, porque António Costa assumiu boa parte do discurso da direita ao considerar que o problema em Portugal é a rigidez do mercado de trabalho, ao considerar que a economia precisa é de liberalizar todos os mercados, ao não dizer nada sobre as privatizações em curso. O PS nada diz sobre isto, assume completamente o discurso da direita”.
- Joana Amaral Dias: O PS é igual ao Governo mas “com umas almofadinhas”
A crítica é retomada pela representante do Agir: “O PS tem tido um posicionamento político onde assume ser uma espécie de mal menor. Se o PS não é capaz de fazer uma política própria, não é capaz de ter um programa seu, uma alternativa e é tudo mais ou menos aquilo que o PSD e CDS dizem mas com umas almofadinhas, as pessoas dizem naturalmente ‘para quê votar António Costa? Para quê votar Partido Socialista?’”.
- Jerónimo de Sousa: O “ritmo” é diferente, mas a receita é a mesma
O comunista teve uma posição mais cautelosa. Jerónimo de Sousa acredita que existem algumas diferenças entre o caminho desenhado pelo PS e o caminho desenhado pela coligação, nomeadamente no que diz respeito ao “ritmo, à forma e à intensidade” das políticas de austeridade. Ainda assim, o PCP não vê “diferenças substantivas” nas orientações macroeconómicas dos três partidos. No fundo, as “soluções são velhas“, a receita a mesma.
3. Serão fáceis as coligações de Governo à esquerda?
- Rui Tavares: Livre não vai estar “acantonado no protesto”; quer fazer parte de uma solução governativa
As perguntas eram provocatórias e Rui Tavares quis esclarecer todas as dúvidas: o Livre/Tempo de Avançar veio para ser poder e para participar numa solução governativa. Mas antes de responder, traçou o seu diagnóstico: “Nós temos tido historicamente uma esquerda partida em duas: uma parte que vê o poder como um fim. E depois temos outra metade da esquerda que em tem visto a questão da governação e do poder como um tabu a evitar”.
Por isso, Rui Tavares, ao contrário dos que vivem “permanentemente acantonados na crítica e no protesto“, chega para representar “uma esquerda para o qual o poder não é um fim em si mesmo, mas também não é um anátema a evitar”.
E estendeu a mão aos restantes partidos de esquerda: “[temos] a disponibilidade para trabalhar com toda a esquerda. Isso pode ser novidade na política portuguesa. Infelizmente é novidade. Porque é uma disponibilidade que já deveria existir há muito tempo e que permite colmatar uma situação pela qual os portugueses já pagaram um preço demasiado alto, que é da falta de entendimentos à esquerda”.
- Marinho e Pinto: O PDR quer ser alternativa e solução
O líder do PDR também não excluiu a hipótese de ser Governo, até porque “nenhum partido verdadeiramente democrático se pode dispensar disso“. O partido nasceu “para constituir alternativas, para construir soluções”, garantiu Marinho e Pinto.
Mas há uma questão que precisava de ser esclarecida: afinal, onde se coloca o PDR no espetro político português? À esquerda ou à direita? Marinho e Pinto considera que isso “não é importante”. E explicou: “As nossas propostas são claras. Nós defendemos as liberdades, a liberdade de empresa, de investimento. Defendemos o mercado – acabou esse mito do socialismo na economia. A economia é uma economia de mercado, mas não é uma economia de mercado do qual o Estado possa limitar-se a ser um guarda-noturno. Não, o Estado tem que moderar os excessos e suprir as suas insuficiências, porque o mercado não é perfeito. Essa ideia da mão invisível é um dos perigosos mitos do mercado”.
- Joana Amaral Dias: “Não somos de esquerda nem de direita”
Curiosamente, mensagem foi repetida por Joana Amaral Dias. A ex-bloquista até foi mais longe que Marinho e Pinto: “O Agir não vem para unir a esquerda. Não somos de esquerda nem de direita, mas dos 99% que estão em baixo [e não] do 1% que está em cima. Nós vimos para disputar a democracia e para resgatar os valores democratas e republicanos. Nós vimos para disputar o poder. Nós não queremos ser um partido de protesto”.
A hipótese de fazer parte de uma solução governativa também está nos horizontes da candidatura PTP/Agir, mas com um “se” importante: “Nós queremos ser Governo e nós acabaríamos por ser Governo. Mas nunca com os atores políticos que nos trouxeram até aqui. Com aqueles que cavaram a nossa sepultura. Os coveiros dos portugueses, o PS, o PSD e o CDS, não são parceiros fiáveis. Com os outros, com certeza estaremos abertos a negociar”, garante a ex-bloquista.
- Catarina Martins: O BE é o único “que consegue pôr o dedo na ferida”
O Bloco tem uma imagem de marca e Catarina Martins quer mantê-la porque, acredita, é isso que distingue o partido dos outros. E que imagem é essa? “O Bloco de Esquerda é o único partido que consegue pôr o dedo na ferida sempre que está em causa a negociata contra o país. O Bloco é um partido que nunca deixou desligar-se a luta das propostas para a economia, emprego e crise, das lutas para a igualdade”.
Sobre as próximas eleições, a bloquista, e ao contrário dos entrevistados anteriores, preferiu eleger outras prioridades. “Para o BE é importante manter o grupo parlamentar, mas acima de tudo é importante que consigamos conversar com o país, que precisa de soluções. E precisamos que haja muito mais gente a levantar-se e a mostrar que tem posição nestas eleições”, disse.
- Jerónimo de Sousa: Convergência de forças, sim. Governo, sim. Mas com condições
“Há muitos anos que defendemos a convergência de forças, de organizações, dos movimentos sociais e forças políticas, para encontrar as soluções para a nossa vida nacional. Mas se a pergunta é ‘algum dia vocês vão entender-se com o Partido Socialista? Aí, a resposta é diferente. Entendimentos e as convergências fazem-se sempre, podem fazer-se sempre. O grande problema é ‘para quê?’”, começou por dizer Jerónimo de Sousa.
O PCP não exclui a hipótese de fazer parte de uma solução governativa que representasse uma verdadeira alternativa política, mas Jerónimo tem dúvidas que isso venha algum dia a acontecer. Sobretudo, com estes atores políticos e com estas forças partidárias. “A questão de fundo é que nós, convictamente e com grande sinceridade, consideramos que tem de haver uma alternativa. E forças capazes de construir essa política alternativa. [Mas] com grande franqueza: não nos ofereçam dois ou três lugares no Governo para nós sermos mais uma força que vá executar a política do costume. Isso não fazemos porque temos um compromisso, e o compromisso é com o povo português”.
4. O Governo grego é exemplo a seguir?
- António Costa: Syriza travou o combate de “forma tonta”
António Costa dividiu a sua resposta em duas partes: primeiro, criticou a direita portuguesa que, acusa, fez pura mercearia política interna” e “desvalorizou sempre a análise dos problemas estruturais do euro”. No fundo, disse o líder do PS, a coligação PSD/CDS renunciou, “por oportunismo político, a travar na Europa os combates políticos que têm de ser travados contra as assimetrias do euro”.
Por outro lado, o secretário-geral do PS acredita que o Syriza travou esse combate de uma “forma tonta”. E esse não vai ser o caminho do PS se António Costa chegar a São Bento. “Esse é um combate que temos de travar. Não de uma forma tonta, como o Syriza, mas de uma forma inteligente, construtiva, de uma forma positiva, como um grande partido europeísta como o PS tem legitimidade para fazer”.
- Jerónimo de Sousa: Grécia (e Portugal) deviam sair da Zona Euro
Para o PCP, o destino grego deveria ser o mesmo que o destino português: a saída progressiva da Zona Euro, sem romper com a União Europeia. Jerónimo de Sousa acredita que esse é o único caminho razoável para gregos e portugueses e que a questão deveria ser debatia, possivelmente, através de referendo. “Nós não propomos uma saída do [euro] súbita, isso seria desastroso. Mas quem é que nos impede, tendo em conta esta situação que estamos a viver, de nos prepararmos para uma possível saída? Ou sermos expulsos, que é uma coisa que não está fora do horizonte”.
- Rui Tavares: “O caminho é árduo”, mas pode fazer-se
O representante do Livre acredita que a “experiência do Syriza no Governo grego tem sido uma excelente prova que o caminho é árduo mas que se pode fazer“. Mas, depois do “colapso multilateral de confiança” que exisitiu, as coisas tornaram-se mais difíceis, reconhece. “Ninguém disse nunca, nem poderia dizer, que seria um caminho fácil. Nós vimos de quatro anos de austeridade, que se seguem a uma geração do tipo de políticas que nós combatemos, chamadas políticas neoliberais, desregulação de mercados, de financeirização do capitalismo. Não há milagres, não há viradas de jogo que ocorram em apenas um dia“.
Na hora de atribuir culpas pela crise de confiança que abalou as negociações, Rui Tavares não esquece os erros cometidos no passado pela União Europeia. “Tendo em conta a quantidade de erros que já foram cometidos nesta crise desde o seu início, para não falar do próprio desenho do Euro, nós não precisamos de deixar muito espaço a teorias conspirativas quando pensamos que, pelo disfuncionamento do Conselho Europeu e do Eurogrupo, devem passar muitas das culpas daquilo que sucedeu”.
- Marinho e Pinto: O caminho português tem de ser outro
O ex-bastonário da Ordem dos Advogados não se pronunciou diretamente sobre a questão grega. Ainda assim, Marinho e Pinto, insistiu num ponto que, acredita, é essencial: Portugal deve procurar um caminho alternativo ao escolhido por este Governo e em conjunto com os outros parceiros europeus. E não “da forma como a Grécia o está a tentar fazer”.
- Joana Amaral Dias: “É de um braço de ferro que se trata. É a democracia contra os déspotas”
Uma posição mais dura teve Joana Amaral Dias. A ex-bloquista falou mesmo num “poder anti-democrático” que está a tentar impedir “qualquer força” que proponha “uma política diferente da austeridade”. E é isso que está a acontecer com o Governo grego, diz. “É de um braço de ferro que se trata. É a democracia contra os déspotas. E quando nós temos um braço de ferro entre a democracia, neste caso a democracia grega, e um poder anti-democrático, que é o poder anti-democrático europeu, é natural que essas negociações sejam longas, árduas e minuciosas e que obrigassem a um esforço muito grande de ambas as partes“.
Joana Amaral Dias foi mais longe e deu um rosto a esse poder anti-democrático: Angela Merkel. “Há uma parte da Europa que é formalmente anti-democrática, como a Comissão, por exemplo. Mas depois há outra que é informalmente anti-democrática, quando falamos do sobrepoder que a Alemanha tem e da forma como ela organiza todas as decisões europeias. Eu não votei em Angela Merkel para tomar as decisões por mim“.
- Catarina Martins: “É muito importante que o governo grego seja bem-sucedido (…) porque senão desistimos”
A coordenadora do BE teve uma posição semelhante à de Joana Amaral Dias. O ponto de honra para Catarina Martins é este: “Parece que a democracia na Europa deixa de valer no dia em que algum povo escolher alguma coisa de diferente do que o Governo alemão decide. E é por isso que, mais do que perceber se em cada momento o governo grego tem ou não razão, é muito importante que o governo grego seja bem-sucedido para dizermos que a democracia vale alguma coisa na Europa, porque senão desistimos”.
Catarina Martins acredita, de resto, que a União Europeia está a empurrar a Grécia para uma alternativa que vai acabar por deixar Atenas com uma economia ainda mais fragilizada. “O governo do Syriza diz ‘não nos dêem mais dinheiro, não podemos suportar mais empréstimos destes’. E o que é que a UE está a responder? Está a dizer que não aceitam que haja uma alternativa à austeridade, que prefere perder mais dinheiro obrigando a Grécia a sair do euro, do que aceitar uma reestruturação da dívida e uma alternativa“, afirmou.