Discurso de Afonso Moura Guedes, deputado do PPD, proferido na Assembleia Constituinte a 16 de Janeiro de 1976:

“Como os homens, também as revoluções nascem, crescem e virão a morrer um dia, para darem lugar a outras revoluções e a outros homens. Como os homens, também as revoluções têm às vezes infâncias turbulentas, adolescências difíceis, amores precoces, espinhas carnais, impulsos incontrolados, capares súbitos, saltos inesperados de humor, birras e sarampo.

(Risos)

E um dia, se tudo corre bem, se os complexos criados ao longo do processo de crescimento não foram demasiado asfixiantes, se as inibições geradas não foram demasiado bloqueadoras dos dinamismos existenciais, numa certa manhã de qualquer Novembro as revoluções, como os homens, olham-se de frente no espelho da realidade e descobrem-se adultas, democráticas, revoluções.

Com os primeiros pelos na cara, saldo porventura de algumas desilusões, defrontam-se de repente com a realidade de si mesmas, dando-se conta de que, sem saberem bem como, aquele caos de impulsos e sentimentos descontrolados, no meio do qual se debatiam, surge subitamente ordenado na unidade de um projecto e na força serena de uma vontade determinada e livre, capaz de o atingir. Pois assim aconteceu com a Revolução do 25 de Abril. Também ela teve a sua primo-infecção que foi Spínola, a sua tosse convulsa que foi [Vasco] Gonçalves, a sua alergia que foi Varela Gomes, as suas bexigas loucas que foi Otelo.

(Risos)

Não chegou ao sarampo, que seria Cunhal, com o País transformado inexoravelmente num quarto calafetado de vermelho, porque a sábia medicina dos comandos, oportuna e profiláctica, soube fazer atalhar o mal a tempo.

Uma voz: Muito bem!

Também ela, revolução, se deu aos inocentes jogos da infância, brincando com carrinhos de corda e com chaimites, com fisgas e com G-3. (…). Também ela teve as suas paixões definitivas, as suas juras de amor eterno, os seus gargarejos à chuva, na direcção de distantes janelas da fachada leste, da Europa… ou de Cuba. (…)

Mas foi, para além disso tudo, e contendo isso tudo, uma página da história. (…) Com todos os seus erros, os seus excessos e o seu folclore, a primeira fase da nova revolução foi história que quotidianamente vivemos, nas suas grandezas e nas suas misérias, diante do grandioso pano de fundo do povo português, coro de tragédia grega, que haveria de ser a voz do seu próprio destino.

Sr. Presidente, Srs. Deputados: em 25 de Novembro esse povo tomou nas suas mãos a revolução que era sua. Para que ela pudesse ser revolução; para que ela pudesse ser povo, isto é, sujeito da história, dono de si mesmo, construtor dos caminhos do seu futuro.”

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