Foi o último discurso do Presidente antes das legislativas – em cerimónias nacionais oficiais – e veio com mais de uma mão cheia de recados, uns diretos, outros subentendidos. O Observador dá-lhe as chaves de leitura essenciais.

  1. Esta crise foi pior que as outras. Foram “tempo muito difíceis”, estes sob a vigência da troika de credores. E mais difíceis do que nas duas intervenções externas anteriores, disse o Presidente. Primeiro, porque “deixou sequelas muito profundas”; em segundo lugar “porque a crise económica e social surgiu num tempo em que as expectativas de bem-estar são muito mais elevadas do que há 30 anos;
  2. Ganhe quem ganhar, há um caderno de encargos: À cabeça, estabilidade política e “governabilidade” – únicos requisitos formais apresentados pelo Presidente. Depois, quatro objetivos para que todos devem contribuir para que o país possa melhorar: “Equilíbrio das contas do Estado; o controlo das contas externas; a competitividade da economia face ao exterior; e um nível de carga fiscal em linha com os nossos competidores”. Nenhum dos partidos dirá o contrário, mas todos têm opções diferentes para o atingir.
    Dois exemplos, envolvendo a coligação e o PS. Enquanto PSD e CDS optam por uma reposição em quatro dos salários no Estado e do IRS sem sobretaxa, os socialistas apostam num processo em dois anos; Enquanto o PSD opta pela redução do IRC, o PS prefere a redução da TSU – que os críticos dizem poder colocar em causa o equilíbrio da balança externa (o que os economistas do PS garantem que não acontecerá).
  3. O país está melhor. Talvez o ponto que mais incomode o líder do PS, António Costa (que está a passar o 10 de junho fora do país, junto de comunidades emigrantes). “Nos últimos tempos tem havido recuperação gradual da economia e criação de emprego. Portugal tem motivos de esperança”, disse o Presidente, abrindo espaço ao discurso que o Governo tem feito e contrariando o que diz o PS – que sublinha ainda as baixas taxas de crescimento, o desemprego alto e os cortes de rendimentos.
    Cavaco não elogiou diretamente o Governo: deixou os elogios para autarcas (mais conscientes dos desafios), parceiros sociais (disponíveis para o diálogo), empresas (que arriscaram) e jovens empreendedores (que não vivem de subsídios).
    Mas usou o que diz ter ouvido fora do país para dar exemplos do que está melhor: “Somos vistos como um destino atrativo. E como um destino em que se pode confiar. Elogiados pelas reformas, pelo caminho de crescimento, pelo cumprimento das regras de disciplina orçamental. As taxas de juro desceram muito significativamente. Portugal é visto como destino atrativo para investimento”, disse o Presidente. Outros países, pedindo ajuda, não conseguiram isto, disse ainda, referindo-se indiretamente à Grécia.
  4. Afinal não houve espiral recessiva. Na mesma linha do ponto anterior, Cavaco Silva recupera um dos seus mais famosos discursos – na altura criticado pela atual maioria. Aquele onde disse (a 1 de janeiro de 2013), que o país tinha que sair da espiral recessiva. Agora, Cavaco Silva disse o seguinte: “Fomos obrigados a grandes sacrifícios. Foi preciso alertar para a existência de limites para os sacrifícios. Houve riscos de uma espiral recessiva – felizmente foi possível evitá-la.
  5. Mas ficaram marcas. De todo este processo, porém, ficaram marcas, disse Cavaco Silva. Sobretudo sociais. “Temos um longo caminho a percorrer”.
  6. E também profetas da desgraça. Neste ponto o Presidente não foi concreto, mas marcou o seu ponto: “Alguns têm tendência para não acreditar no futuro. Há quem faça da crítica inconsequente um modo de vida”, lamentou no início do seu discurso. Mais tarde voltaria ao tema: “Digo claramente: não contem comigo para semear desânimo ou pessimismo. Deixo isso aos profetas do miserabilismo. Se assegurarmos estabilidade política e governabilidade, se definirmos uma linha de sustentabilidade das contas, de competitividade, de integração social, podemos festejar este dia com confiança no futuro”.
  7. Um discreto elogio a Teixeira dos Santos – ou um à Europa? O ex-ministro das Finanças foi condecorado minutos depois, mas no discurso Cavaco Silva deu o que pode ser lido como uma (discreta) explicação para a medalha. “Após uma década a reduzir o seu crescimento, Portugal chegou a uma situação que qualifiquei como ‘quase explosiva’. Sem o apoio externo o país teria entrado em situação de rutura”, disse Cavaco, à frente do homem que pediu essa intervenção externa contra a vontade do então primeiro-ministro, José Sócrates. Alternativa: ler como elogio ao apoio que a Europa deu ao país – um apoio que muitas vezes nestes anos tem sido criticado.

O discurso completo pode ser lido em anexo.

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